Houve um tempo em que passeei pela cidade com outros a meu lado. Todos gabavam os atributos da ruína visível no centro histórico. O franchising ainda não tinha desfigurado o carácter do espaço urbano: eram íntegras as casas, apesar do estado avançado de decomposição. Entretanto, o granito escurecia, os telhados começavam a cair e as paredes eram tapadas por blocos de cimento. O lifting passou a ser moda: os excessos de gordura, a flacidez, as rugas, precisavam de ser limpos. Palácios mudavam-se em hotéis. Mercados em lojas gourmet. Cinemas em bingos. Tudo servia, tudo serviu, tudo serve para nos distrair: as velhas tascas expandiram o negócio. Do nada, autocarros de dois andares, vermelhos e amarelos, surgiram entre o trânsito infernal: hop on hop off. E as artérias alargaram-se e as esplanadas resgataram as esquinas. Nos quiosques deixaram de vender-se jornais: é a vida portuguesa, esse estado sempre novo, sempre velho, permanentemente a ruir. Vai daí: as torres começaram a ir abaixo. A talha, já sem ouro, carcomida pelas térmitas, resigna-se a idêntico destino: um amontoado de entulho, envolto em pó. Sensação estranha, esta, a de sentir-me turista aqui, onde a taxa de rolha é o preço da paisagem. Contudo, tudo parece bastante animado, tudo low cost.
Óscar Faria, in Bolor, Flauta de Luz - Boletim de Topografia, n.º 2, Março de 2014, pp. 11-13.
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