Começou porque me limitavam os anos,
doze anos, quinze anos, vinte anos...
Eram limites, eram fronteiras suportáveis:
o ano que vem, quando cumprir trinta anos,
o ano passado, o ano novo...
Eram limites amplos,
era possível a distância, o horizonte,
por muitos anos! Os espaços
dominavam o tempo
recebias a aurora, despedias a tarde
amplamente e amavas
docemente os sonhos.
Os anos eram os carcereiros
mas rondavam muito distanciados.
Havia quem vivesse cem anos!
Mais tarde, começaram os meses a limitar-me,
apareciam subitamente, tudo era muito distinto,
o tempo dominava os espaços,
era um limite mais pesado,
estavam mais próximos os carcereiros,
eram carcereiros!:
o mês que vem, dentro de uns meses,
oprimiam-me os meus próprios limites,
originava limites!
Que terá sido daquelas agradáveis distâncias,
há tempo pela frente, dizia,
quando me limitavam os anos.
Agora olhava com receio todas as coisas,
nove meses, três meses, um mês de prazo,
meses, meses voando sobre os sonhos.
E as semanas?
Deixaram os meses de cingir-me
e um novo limite controlava-me, uma nova medida
estendida por todo o mundo,
cobrindo de miragens todas as suas galerias.
Contava a vida por semanas,
semana atrás de semana.
Os carcereiros eram os oficiais de semana,
distraíam-me, envolviam-me nas verdades falsas,
a próxima semana, dura muito pouco uma semana,
a semana santa,
o meu mundo era a semana, a realidade era a semana,
a semana, só existia a semana.
Que era um mês senão quatro semanas
e que era um ano senão cinquenta e duas semanas...
E contava as semanas
e via a humanidade ansiosa
forçada à semana, vivendo para o fim de semana, vivos, livres
só o fim de semana.
Depois foram os dias,
comecei a contar os dias
sobressaltaram-me os dias,
era questão de dias,
pesavam enormemente os dias
e desejava por sua vez que passassem os dias
e que não passavam...
Aferrava-me aos dias, bons dias!,
o dia estava ali, era um carcereiro inamovível, omnipresente,
tudo mediam em dias.
Não era livre! Não podia ser livre!
O dia da minha boda, o dia da minha licenciatura em filosofia,
apenas um vazio para a minha aventura,
apenas ficava espaço e eu necessito de espaço, muito espaço,
não podia sair dos dias,
um dia e outro dia,
o dia das forças armadas, amanhã será outro dia,
outro dia!
Crescia a muralha dos dias,
o circo dos dias, um dia comia o outro dia,
os limites eram insustentáveis,
dias de jejum, dias de alegria,
mas tudo medido, era preciso obedecer ao dia,
despertar ao despertar o dia,
dormir ao dormir o dia,
a ordem do dia!
um dia é um dia, nos próximos dias...
agora, enquanto escrevo este poema,
já não conto os dias senão as horas,
faltam três horas, dura quatro horas,
que horas são, a que horas...
Os carcereiros converteram-se na minha sombra,
apenas falo, as horas confundem-se e confundem-me,
limites, limites, a tarde, a manhã, o meio-dia,
uma hora cai sobre outra hora, vence a outra,
uma hora é como outra hora,
hora adiantada, horas extraordinárias,
faz horas extraordinárias!,
a dança das horas, horas perdidas, o recorde da hora,
não somos seres, somos horas, corda de horas,
uma cada duas horas, quase seis horas,
e sonham as horas e já só podes ouvir as horas,
e tudo há-de mover-se num horário,
tudo há-de estar à hora,
tudo tem a sua hora,
quantas das minhas horas são horas minhas,
meia-hora, um quarto de hora, a hora!
Destrói-me pensar que nasci para as horas,
abro as mãos e tenho-as cheias de horas.
Ah, carcereiros, horas terríveis que nublais os meus olhos!:
dentro, levo-vos dentro, estou cheio de carcereiros, de sombras.
Não quero nem pensar como será a minha vida
quando ela depender dos minutos, quando
forem eles os meus carcereiros e não existam
os espaços, os sonhos, as dúvidas,
quando o meu corpo for uma garagem de minutos,
minutos, minutos, não tenho nem um minuto, só cinco minutos,
tudo sucederá em minutos, que fará de mim a fúria dos minutos,
quando não puder perder nem um minuto,
que humilhação me aguarda quando na minha vida
só se movam as agulhas dos minutos
que espaço pode haver entre minuto e minuto.
Que escura noite havia em vós, meses, anos,
e que traição os vossos espaços!
Éreis minutos, minutos, só minutos!
Que o mundo se afunde será questão de minutos!
Finalmente, finalmente, ah, finalmente,
quando apenas um sopro alente os meus sentidos
e só existam os segundos, sejam os segundos
os que cingem o meu corpo, a minha vida,
todo o meu ser um carcereiro monstruoso, uma áspide, uma víbora
destruindo os últimos reflexos,
todo o mundo um carcereiro horrível,
e quando todos forem fantasmas e as ideias se converterem em nuvens
e os sentidos em cavernas
e nos últimos segundos
passem os anos, os meses, os dias e as horas
convertidas em ar
e se encerrem os meus olhos e o rosto sem vida
riam como nunca por todos os abismos do mundo,
como desejarei continuar prisioneiro do tempo
como amarei o tempo - eu era tempo, doloríssimo tempo! -,
como amarei os limites - somente eles não estavam mortos -,
os anos e os meses,
os dias e as horas e os minutos,
todos os limites do mundo.
Como me arrancará a eternidade do tempo!
Jesús Lizano (n. 23 de Fevereiro de 1931, Barcelona - m. 26 de Maio de 2015, idem), in O Engenhoso Libertário - breve antologia poética de Jesús Lizano, organização, tradução e prefácio de Carlos d'Abreu, Douda Correria, Julho de 2015, s/p.
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