Não sei por que me agrada esta paisagem, tem tudo para me
desagradar. Olho para estas rochas e não entendo nada do que nelas me atrai. Talvez
por isso me atraiam, por não entendê-las. Sim, desde sempre este fascínio pelo
ininteligível, pelo absurdo, pelos paradoxos. Sei que morreria feliz sabendo
que espalhariam as minhas cinzas por ali, que a minha memória se fundiria para
sempre com o mar, com a areia, com as rochas, com esta ausência absoluta de
sentido. Um geólogo terá todas as explicações para as minhas dúvidas, mas ainda
assim o mistério: como é possível haver paz nesta agressividade? A paisagem é
agreste, porém pacificadora. Não estamos a falar de dunas com palmeiras, de
quilómetros de areal com a água a afagar a Terra como um homem afaga um gato.
Estamos a falar de perigos. O que há nisto de belo é a incerteza, não sabermos
se a praia vai estar areada, se entre as rochas se escondeu algum polvo, se
haverá mosquitos a atazanarem-nos a pele, se estaremos suficientemente
abrigados de ventos e de tórridas manhãs. Anda-se descalço nestas margens e
sente-se a natureza a entrar no corpo, como uma ferida, o peso da carne contra
a solidez da rocha abre feridas nos pés com facilidade, mas são feridas e dores
boas, nelas reside a solução que o crente vislumbra face à imagem de Deus. Já
me magoei a sério por ali, já senti a vida em risco por ali, mas foi uma
satisfação enorme perceber que não estava morto depois de escapar às rasteiras
da vida. Agora não sei, sinto-me cansado, não retiro prazer das acções, a
escrita é-me um sacrifício, o trabalho uma expiação, sinto que estou a cumprir
uma pena por crimes que desconheço. O álcool desvia-me as atenções, mas estou
farto. Sinto que sempre estive farto. Nenhuma privação, simplesmente saturado
de farto. Só me apetece olhar, se pudesse concentrar-me totalmente nas retinas
e ficar simplesmente a olhar.
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