terça-feira, 23 de agosto de 2016

XISTO


Uns chamam-lhe concha, outros chamam-lhe anfiteatro. Fica na Praia da Carreagem (há quem escreva Carriagem), no Rogil. Chegava-se lá descendo um carreiro desenhado por pescadores. Entretanto, por cima do carreiro construíram umas escadas de madeira. Passou a ser procurada por mais banhistas do que por pescadores. Tem alguns segredos que não vou desvendar, sobretudo para quem pretenda mergulhar, nadar, apanhar sol. Prefiro guardar os segredos. Em 2008, salvo erro, foi neste ambiente que acabei de ler Moby Dick, enquanto o Luís tentava pescar robalos e fanecas. Deitado sobre cascalho xistoso, com o olhar dividido entre a encosta e o horizonte marítimo, enquanto o sol nascia deslocando a sombra na direcção da vila. A casinha de madeira ainda persiste, assim como o fio de água doce onde lavávamos rosto e pés e mãos. O que já não existe é a inocência do primeiro olhar, o silêncio, o cheiro natural da vegetação a misturar-se com a maresia. Agora intrometem-se as fragrâncias dos protectores solares, o estalido das bolas nas raquetes, crianças impacientes, sotaques estrangeiros aparentemente desorientados. Não me apetece voltar a ser simpático com as minhas frustrações, penso-as como quem olha estas rochas, de ano para ano ali paradas sem que nada possa ser feito contra elas, a não ser acrescentar-lhes ruídos, disfarces, a não ser soltá-las para sempre na direcção de um mundo silencioso. Submersas, é como se não existissem. Mesmo que continuem a existir. Mas não as vemos. Não as vendo, é menos provável que as sintamos. Afogados.

Sem comentários: