John Ford (n. 1894 – m. 1973) inaugurou a última década
da sua longa carreira com Sergeant Rutledge/O Sargento Negro (1960), uma década
onde caberão ainda um dos seus melhores filmes de sempre, The Man Who ShotLiberty Valance/O Homem Que Matou Liberty Valance (1962), o imprescindível
Cheyenne Autumn/O Grande Combate (1964), e a participação no épico How the West Was Won/A Conquista do Oeste (n. 1962). Geralmente exibido como western
anti-racista, Sergeant Rutledge conta com um elenco onde o protagonismo se
divide entre o malogrado Jeffrey Hunter (faleceu com apenas 42 anos) e o mítico
Woody Strode.
Hunter já tinha trabalhado com Ford em The Searchers/A Desaparecida (1956), embora ficasse conhecido do grande público pelos papéis oferecidos
por Nicholas Ray (n. 1911 – m. 1979) em The True Story of Jesse James/A Justiça
de Jesse James (1957) e, sobretudo, em King of Kings/Rei dos Reis (1961) na
personagem de Jesus Cristo. Já Woody Strode havia feito carreira como atleta de
futebol americano, impressionando pelo físico imponente e robusto. Ford não foi
indiferente a tais atributos, desnudando-o da cintura para cima numa cena em
que o vigor atlético cede aos efeitos de uma ferida.
Strode é o Sergeant Rutledge que oferece título ao filme,
o qual começa e decorre, com recurso a várias analepses, a partir do julgamento
desta controversa figura. Acusado de ter violado e matado uma rapariga branca,
assim como de ter assassinado o pai da rapariga, um oficial superior, o
sargento negro deserta, acabando por ser capturado depois de salvar uma outra
mulher branca das investidas de um grupo de índios rebelados. Com uma folha de
serviços impecável, os seus camaradas da nona cavalaria, caracterizada por
incluir nos seus quadros soldados afro-americanos, recusam a hipótese de que
Rutledge possa de facto ter cometido os crimes de que é acusado.
Jeffrey Hunter interpreta o papel do Lt. Tom Cantrell,
chefe de regimento fidelíssimo à lei e ao livro que acabará por assumir a
defesa de Rutledge durante o julgamento perante a corte marcial.
Estamos no Arizona, uma das paisagens predilectas de Ford,
com Monument Valley a servir de cenário às digressões do exército. Por ali
resistiram várias tribos indígenas às investidas de diversas forças invasoras, sendo
os guerreiros Apache, liderados por Geronimo, um dos grupos mais temidos e
respeitados por todos quantos se aventuravam no território.
Depois de ter filmado inúmeros westerns, muitos deles
focados no papel da cavalaria enquanto força motora de uma ordem em território
selvagem, Ford persegue agora uma espécie de condecoração dos marginalizados.
Sempre movido por bons sentimentos, em Sergeant Rutledge o olhar volta-se
para os afro-americanos a partir de um ideal de congregação representado pela
cavalaria. Foi esta que libertou Rutledge ao fazer dele um homem como todos os
outros à luz de uma sociedade segregacionista. Já em Cheyenne Autumn será o
heroísmo dos índios a merecer a perspectiva piedosa do cineasta norte-americano.
Apesar da desconfiança que nos merecem tais encenações,
importa não perder de vista a relevância da mensagem no seio de uma sociedade
dividida desde a origem pelo choque entre etnias e culturas. Fossem os índios a
parte fraca do conflito, ou os americanos nascidos em campos de escravos
entretanto libertados, o que aqui está em causa é o contributo da arte
cinematográfica para a cicatrização da História a par da fundação de uma mitologia nacional.
Ford foi, por assim dizer, um bom professor das massas,
servindo-se de um género deveras popular para passar uma mensagem que é antes
de mais uma possível leitura da história do seu país. Ao assistirmos aos seus
filmes percebemos quão poderosas podem ser as emoções representadas na tela, na
medida em que extravasam as fronteiras do entretenimento e não se detêm numa
introspecção de índole exclusivamente intelectual. São filmes críticos no mais kantiano
dos sentidos, oferecendo ao público uma síntese que inclui no seu paroxismo a
gravidade historiográfica e a possibilidade de um futuro.
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