O Luís regressou ao bairro. E enquanto regressava, foi
anotando o que se perdeu, o que se mantém, foi recordando, constatando o quão
impossível é reviver. Não há glória alguma nestes regressos, a memória é uma
função que apenas nos liberta do esquecimento. O mais é derrota, nostalgia, a puta da saudade. Sobram como
fogachos “breves imagens vivas” (roubo a expressão a Breton). Há tempos, também
regressei ao meu bairro. A fachada da casa onde vivi os primeiros 11 anos mantinha-se,
mas o asfalto percorrido era outro, a envolvência era outra, os cheiros eram
outros. No meu bairro já ninguém coze o pão, a tasca onde bebi as primeiras
ginjas desapareceu, os olivais deram lugar a mais casas, o areal deu lugar a
mais casas, o pântano deu lugar a mais casas. Desci ao açude para ver o rio, mas
encontrei apenas um charco. Lama, canaviais, hortos ao abandono. Apenas dois
patos grasnavam, fazendo emergir lá dos fundos da memória circunstâncias
difusas. Duas bicas secas, uma de líquido amniótico, outra de sangue. Infindável
matéria de poesia, estas coisas que se perdem e se tornam ruína. O tempo é em si mesmo uma elegia. Os escombros
estão na moda, nunca antes se sublimou tanto a desolação da paisagem. Pessoas reencontradas são incapazes de falar do presente, as palavras não saem, tudo aponta para o passado. Lembras-te quando?... Achados
e perdidos, Portugal em ruínas, abandonados, toda uma estética da devastação
popularizada em horário nobre. Nostalgia, saudade. Há que fechar a janela à saudade:
janela
passei pela rua
olhei a janela
já não vives aqui
foste embora
fechaste a janela
para sempre
Luís Paulo Meireles, in bairro, volta d’mar, Junho de
2016, s/p.
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