Ainda a propósito desta questão, seria algo redundante
procurar exemplos para o que me parece evidente: precisamos de pessoas
realmente interessadas na democracia. O que a revolução nos deu é impagável,
interprete-se por onde se queira. Deu-nos a possibilidade de votarmos
regularmente, isto é, de escolhermos os nossos representantes, deu-nos
liberdade de imprensa e de expressão, ainda que estejamos cientes das novas
formas de censura e do esforço que nos exige combatê-las, deu-nos conquistas
sociais impagáveis que alteraram radicalmente o panorama do país (na educação,
na saúde, nos mínimos de sobrevivência). Não nos deu, como é óbvio, o que já
Almada dizia faltar-nos num certo manifesto: as virtudes. Nem podia dar. Essas
conquistam-se no labor de cada dia.
Continuamos a patinar num tecido social
acrítico e empobrecido pela sua própria incúria. Os militares não podiam
dar-nos pessoas interessadas, exigentes, desde logo consigo próprias,
moralmente aceitáveis. Da pequena cunha que suporta as oligarquias ao favorzinho
simpático, o sistema transporta dentro de si mesmo o vírus da corrupção e do
nepotismo. Só há uma forma de o superar, é com as vacinas da educação e da
cultura. Eu, pelo menos, não sei de outra.
Observemos a título de exemplo, até por cautela,
o que se avizinha para as próximas autárquicas: o regresso dos dinossauros. Que Isaltino seja aplaudido
de pé por uma horda de fiéis seguidores, não me choca. O que de algum modo parece
paradoxal é as queixinhas sobre um putativo disfuncionamento do sistema
judicial e esta simpatia por um tipo político entre os raros que cumpriram
crime por fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Afinal, quando
a justiça parece funcionar é como se não funcionasse. O exemplo que poderia ter
dado não serviu, pelo menos junto da tal horda de fiéis seguidores para quem nenhuma
prova ou condenação demove a certeza abstrusa de uma suposta inocência.
Já
sabemos como na mentalidade de muitos portugueses tais crimes se justificam:
fez o que todos os outros fazem. Pois, o problema está em que nunca certas
práticas são menos viciosas pelo simples facto de serem maioritariamente
exercidas. Estes "homens do povo" são sempre perigosos, raramente servem de exemplo para o que de melhor deveríamos esperar da generalidade das pessoas. É isto que elas não querem perceber, é isto que faz sentir ser afinal
tão pouco o muito que conquistámos de há 43 anos esta parte. Porque, como já
dizia Almada, continuam a faltar-nos as virtudes.
3 comentários:
Como diz Pascoaes: "Mas, na falta de virtudes, devemos ter o culto dos nossos pecados.".
Grato pela tua leitura do "hybris". Imagino que não tenha sido pêra doce a empreitada.
Fez-se. :-)
Também a luz e ao outro só ao 7.ª dia é que lhe deu o cansaço.
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