Todo o horror é uma interpelação à beleza.
E só à beleza vai buscar o seu referente.
Tudo o mais deverá ser imputado a quem vê:
a rapina
de um campo de batalha
ou os mastins
cruzando a ternura da devastação.
Jorge Melícias (n. 1970), in felonia (2013). «Convenhamos: Melícias tem escassíssimos companheiros na poesia portuguesa das últimas décadas. São raras as obras de poesia lusa que se situam num lugar tão pouco cómodo quanto aquele ocupado pelos seus poemas. Sem se ficar pela abjecção (rejeitando as propostas de certo sector do surrealismo nacional), o sujeito poético dos seus textos fala a partir do negrume, das trevas, do horror. É portanto compreensível a sua "negatividade". Os poemas não expressam, assim, virtudes (fé, esperança), moralidade ou ética, as quais seriam incompatíveis com a sua violência nascida num ambiente antropofágico, dominado por uma perturbação extrema que se antevê natural e social, ctónica e uraniana - universal, enfim. São antes uma dicção tensa entre a subjectividade, a objectividade e a metafísica, com reflexos especulares num estilo negativo, negro e agressivo que exige a aceitação de uma dádiva - o sentido "como uma presença invasora e totalizante" - e, em simultâneo, a demanda do rigor e da exactidão que obriga, por sua vez, ao "distanciamento" perante a inefabilidade da devastação e conduz a uma "estética do vago e do indistinto" (Ruy Ventura, in Violência, Libertação e Escatologia, in hybris, Cosmorama, 2015).
1 comentário:
Isto ia dar em beijos.
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