domingo, 18 de junho de 2017

LUTO EM CHAMAS


1. Acordar assim, com a cabeça redemoinhando imagens e notícias. Um parque de merendas coberto de lixo, entulho espalhado pelas matas, matagais que são acendalhas a céu aberto. Trovoada, calor, vento, a tempestade perfeita. A mãe Natureza reivindicará o atentado, o nosso desleixo será seu cúmplice. 



2. Demorou quatro linhas até que o número aumentasse de 39 para 43. Contam-se os mortos. 

3. Os portugueses das caixas de comentários eximem-se de responsabilidades insultando a ministra da Administração Interna. Chamam-lhe incompetente. Os portugueses das caixas de comentários são gente perfeita, inteligente, competente, são nobre povo. Dizem que este é um governo de assassinos. Exigem cabeças sem demoras, querem culpados, pretendem o gozo público da expiação. Estes portugueses medievos também passeiam em dias de folga, não largam lixo apenas nas caixas de comentários. Ontem, num simples passeio pelo Bacalhôa Buddha Eden, deu para perceber o civismo das nossas gentes no lixo que se ia encontrando abandonado pelas bermas. 




4. Na televisão contam-se 57 mortos e 59 feridos. O cenário é difícil de imaginar. A origem criminosa está afastada, pelo que não vale a pena especular sobre negócio das madeiras, pirómanos e outros maníacos que a raiva e a fúria dos incautos gostava de atirar às chamas. 

5. O tema dos próximos dias será o ordenamento florestal. De quando em vez, estes temas vêm à baila. Depois ficam na penumbra. Temos neste momento 57 razões para dar definitivamente mais voz a quem se preocupa com estas matérias. 


6. A contagem continua. Não tenho memória de uma tragédia destas no meu país. A ideia dos corpos carbonizados, presos entre chamas, confere-lhe um horror impronunciável. Leio no Jardim de Luz: «É tão frágil o que nos sustém».

6 comentários:

RFF disse...

Estou com o meu puto de sete anos. Tento explicar-lhe. Desisto. Na televisão normalmente só vejo noticiários, desporto e filmes. Hoje não há noticiários cá em casa. Vou acompanhando pela net a evolução dos acontecimentos mas abro os principais sites de informação e continuam nas boas-vindas a querer vender-me viagens de sonho, filmes épicos e eventos estratosféricos. Puta que pariu a sensibilidade desta gente no país onde tudo corria bem, tudo era optimismo. Daqui a pouco vou-me envolver nos olhos do Patrício e perceber realmente a dor dum país que resiste à adversidade, ao peso ancestral da ignorância e do analfabetismo, à ilusão dum amanhã promissor cheio de estrelas michelin. Às nove, deito o puto, e volto a ligar a televisão para ver o meu sporting começar a abraçar mais um titulo nacional. Trabalho todos os dias, mas amanhã vou trabalhar ainda com mais afinco. Sou um Patriota...

hmbf disse...

Abraço amigo.

Diogo Almeida disse...

Trancados em estradas por fogo, pontes degradadas que caem ao pisar, dá para tudo no rectângulo numa memória recente.

MJLF disse...

Em matéria de lixo, a minha irmã uma vez relatou-me algo que fiquei estupefacta: o que se encontra mais nas bermas das autoestradas são fraldas usadas, disse-lhe pessoal que trabalhava na Brisa. Ontem à tarde ia cantar à aula magna com o coro de câmara, era o concerto do 20º aniversário. Com íamos actuar com orquestra da marinha, ao declararem luto nacional, eles não podiam tocar, o concerto foi adiado. De imediato, o pessoal da armada arranjou uma carrinha onde colocou as paletes com as águas para o concerto, recolheu as nossas bolachas e etc., que seria para o lanche, e dinheiro para irem levar aos bombeiros. Também existem boas pessoas. saúde bjs para a tribo

hmbf disse...

Olá Maria João. Pois existem. E porcos com fartura também. Há dias um presidente de junta lá para os lados de Manteigas mostrava o estado em que um grupo deixou um parque de merendas. Em plena Serra da Estrela. Era só lixo espalhado por todos os lados. Desculpa: não havia baldes. E pronto, não havendo baldes tudo fica legitimado nas nossas consciências.

MJLF disse...

O lixo é um horror, o meu irmão que anda no terreno para os lados das Brotas em pleno Alentejo está sempre a acatar com embalagens de iogurte e outras coisas que o pessoal deita no chão por onde passa, oiço-o a queixar-se disso constantemente. Não é só nos parques de merendas, o meu irmão diz que é por onde passam vão largando de trudo pelo caminho.