segunda-feira, 26 de junho de 2017

PORTUGAL LOCAL É SENSACIONAL*


José Pacheco Pereira é um homem fascinante. Alia ao semblante de filósofo grego um pragmatismo deveras contemporâneo, tornando assim possível e coerente manter-se num partido cuja governação lhe inspirou as mais acintosas prosas. Não é por acaso que nos gloriosos tempos de Passos & Portas muitos acabaram por atribuir a JPP a mais hábil das oposições, a qual trouxe pelos cabelos certas figurinhas ridículas do PPD/PSD. Aí o temos, mais uma vez, ao lado de uma autarca modelo, presumo, segundo padrões que só a elaborada teoria política do autor do weblog Abrupto poderá explicar. À frente da Câmara Municipal de Rio Maior desde 2009, the woman in red conseguiu governar a três velocidades: parado, paradinho, paradão. Não é para mim um mistério, que naquela terra nasci e daquela terra parti, assistir ali à consagração da inoperância. Mais difícil de entender é a simpatia de Pacheco Pereira por tais atributos. Ao tentar compreendê-lo, ocorreu-me um caso hipotético explanado numa crónica do Público datada de 2012.

«Vejamos um caso hipotético e compósito de um político tornado gestor. Começou por baixo, por um aparelho partidário local cujo controlo assegurou, primeiro pessoalmente, depois através de homens de sua confiança pessoal. Durante toda a sua vida política nunca deixará de manter um controlo rigoroso sobre a sua zona de influência original, colocando lá homens de mão, que mais tarde emprega, distribuindo benesses e lugares sempre em primeira mão para o aparelho onde se iniciou e cresceu. Perder o controlo dessa base original é um grande risco, porque é aí que as pessoas melhor o conhecem, numa altura em que os seus primeiros passos de carreira ainda eram crus e pouco sofisticados e deixaram rastro. 
Iniciou-se a receber "avenças" dos empresários locais que conheceu no processo de obter financiamentos para a actividade partidária. Começa a entrar ou a fazer uma rede de "amigos", a que garante "facilidades" junto do poder central e local, primeiro em coisas simples e baratas e depois vai fazendo o upgrade para negócios mais sérios. Quase toda a sua economia pessoal é feita à margem do fisco e da lei, mas isso há uns anos atrás não era problema nenhum, porque o controlo fiscal dos rendimentos era uma ficção e hoje também não é por que há offshores . Se havia algum escândalo público, a explicação clássica era de que "ganhou na bolsa", e se esse escândalo implicasse problemas com a justiça, o que era raríssimo, pagavam-se de imediato os impostos em falta e esperava-se que a máquina emperrasse nas prescrições ou numa tecnicalidade, como quase sempre acontecia. 
Nesta altura, o nosso político hipotético já dá uma grande atenção à comunicação social e através de fugas de informações, que favorecem uma carreira jornalística, ou através de favores, presentes, ou mesmo falsas avenças ou empregos para familiares dos jornalistas no novo universo empresarial em construção, já tem um círculo de jornalistas no seu bolso. Nenhum, insisto, nenhum dos que fazem esta carreira hipotética o consegue fazer sem relações privilegiadas com a comunicação social, umas vezes pessoais, dominantes no passado, hoje através de agências de comunicação pagas a peso de ouro. Esse ouro é pago por nós através de encomendas de serviços "de comunicação" por uma autarquia ou um ministério "amigo", assegurados, como tudo, pelo acesso ao poder político. Não existe hoje nenhuma destas microrredes de poder que não esteja ligada à comunicação social e que não dê importância decisiva a esse factor. No fundo, são políticos modernos, antes sabiam bem do poder do telefone e dos almoços de negócios, antes de ter medo das escutas, hoje exploram a fundo o spin e as redes sociais. 
Se for esperto, e muitos são mesmo muito espertos, sai a tempo da política e dedica-se "exclusivamente" aos negócios. Os seus negócios têm uma característica comum - fazem-se todos na "área de negócios politizados", todos dependem do acesso ao poder político e da decisão política, seja através de informação privilegiada, seja através de facilidades e escolhas de favor. Mas também por isso fica sempre com um pé, e um grande pé, dentro da política. Emprega nas suas empresas os seus companheiros de partido, e a sua família, cria laços sólidos no Estado e nas autarquias, recomendou e obteve a colocação de muitas pessoas que lhe são fiéis, ajuda a obter créditos e tratar de problemas com o fisco, ameaça quando é preciso e aparece quando é preciso. Nalguns casos institucionaliza a sua microrrede ou em associações e lobbies , ou, sempre deste retrato hipotético e compósito, entra numa maçonaria e usa-a para novas relações e novos recrutamentos em áreas sensíveis de decisão. Nos exemplos mais modernos recruta mesmo nos blogues alguns jovens lobos sedentos de notoriedade, poder e influência e que precisam de patrocinato, e a quem "enreda" para que não lhe venham a criar problemas no futuro. O que vemos hoje in the making é uma nova geração, preparada e escolhida pela anterior, de políticos deste tipo, uns na primeira divisão, mas a maioria na segunda divisão, onde também se ganha muito dinheiro com muito mais discrição


O nosso caso hipotético está longe de ser uma realidade, é apenas hipótese académica surgida na cabeça de um bom professor. Pacheco Pereira sabe como é, sabe como se faz, e é por isso que pensa por hipóteses, e é por isso que, por hipótese, devemos sempre interrogar-nos onde pretenderá ele chegar quando entre o que prega e o que faz achega-se ao poder local como o óleo à aguarrás.


*Ao cuidado do Malomil.

1 comentário:

Anónimo disse...

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