sexta-feira, 27 de outubro de 2017

UM POEMA DE SYLVIA PLATH




LORELEI

Não existe nenhuma noite para nos afogarmos:
lua cheia, um rio correndo
negro sob um suave reflexo de espelho,

névoas azuis da água gotejando
de malha para malha como redes de pesca
embora os pescadores durmam,

torres sólidas do castelo
multiplicando-se num espelho
todo ele silêncio. Mas estas formas flutuam

em minha direcção, perturbando o rosto
da quietude. Do nadir
erguem os seus membros plenos

de opulência, cabelos mais pesados
que o mármore esculpido. Cantam
um mundo mais cheio e límpido

do que aquele que existe. Irmãs, a vossa canção
traz uma carga demasiado pesada
para ser escutada pelas espirais do ouvido,

aqui, num país onde um sensato
senhor governa equilibradamente.
Ao serem perturbadas pela harmonia

que existe além da ordem deste mundo,
as vossas vozes fazem um cerco. Estais alojadas
nos recifes em declive do pesadelo,

prometendo um abrigo certo;
de dia, estendem-se para além dos limites
da inércia, das saliências

que existem nas altas janelas. Pior
ainda que esta canção de enlouquecer
é o vosso silêncio. Na origem

do apelo do vosso coração gelado
— a embriaguez das grandes profundezas.
Ó rio, como vejo serem arrastadas

lá no fundo do teu curso de prata,
aquelas grandes deusas da paz.
Pedra, pedra, leva-me lá para baixo.


Sylvia Plath (n. Boston, EUA, 27 de Outubro de 1932 - m. Londres, 11 de Fevereiro de 1963), in Pela Água, trad. Maria de Lourdes Guimarães, Assírio & Alvim, 2.ª edição, 2000, pp. 15-17.

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