segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

NÓS, OS NÓRDICOS

   Só agora fiquei a saber dos deslumbramentos de Marcelo, que, questionado pelo El País sobre a eleição de Mário Centeno para o Eurogrupo, saiu-se com esta: “Somos os nórdicos do século XXI”. Aparentemente, temos aqui apenas mais uma frase engraçada coleccionável para futuras antologias das coisas que os políticos dizem. Mas Marcelo é Presidente da República, nada do que ele diga pode ser interpretado como um faits divers. O problema é que ele tagarela imenso, construindo à sua volta uma capa protectora de “deixa lá, é só mais uma gracinha à Marcelo”. O que quereria o homem dizer aquilo? “Somos os nórdicos do século XXI”? 
   Antes de mais, podemos encher-nos de boas intenções e pensar que ele quis apenas dizer “somos muito bons, estamos em forma”. Com isto, Marcelo puxa para cima os portugueses , enleva a alma lusa, faz-nos acreditar em nós próprios. Ou talvez não. Portugal tem ainda uma das maiores taxas de analfabetismo da Europa. Estudos recentes revelam que não vamos no bom caminho, os indicadores de iliteracia são preocupantes. Nada que permita comparações com os do Norte.
   Ora, Marcelo fala ao El País sabendo que só a nós vai chegar, ou seja, a um país de iletrados. Os iletrados não se preocuparão com o que ele diz, desde que ele continue a distribuir abraços e sopas e sorrisos e conforto. O nosso actual Presidente da República está consciente das características da República a que preside. Só isso explica que para nos enlevar ele nos compare com outros, indo sacar os nórdicos para nos atribuir qualidades que nunca foram as nossas. Mas são agora, no século XXI. 
   Ao mesmo tempo, Marcelo legitima com esta frase o preconceito dos nórdicos relativamente ao sul. Para se ser bom, é-se nórdico. Não se é mediterrânico. Os portugueses são os nórdicos do século XXI quer dizer que os nórdicos tinham razão quando nos chama(va)m porcos, os pigs, mas agora nós estamos cada vez mais limpos e perfumados, saímos das pocilgas e ficamos mais louros, estamos mais redondamente nórdicos. Presidimos a essa coisa monumental que dá pelo nome de Eurogrupo. 
   Ninguém vai preocupar-se com a frase de Marcelo porque na metamorfose anunciada não cabem preocupações. Marcelo pode continuar a dizer o que bem entender. Ninguém irá parar para, por um segundo que seja, o observar e o interpretar. Ele é uma barata tonta com o poder de nos entontecer. Estaremos todos ocupados a cumprir o nosso papel de nórdicos. Tivesse sido Cavaco a afirmá-lo, talvez o orgulho nacional fosse posto em causa. Ao simpático Marcelo tudo se perdoa.
   Pela boca do nosso Presidente da República ficámos então esclarecidos, nós não somos o que somos nem quem somos, não fazemos o que fazemos. Se agora somos excelentes e até presidimos a essa coisa monumental que é o Eurogrupo, isso só foi possível porque abdicámos de ser quem somos. Temos mais frio, ainda que rodeados de chamas. Substituímos o barrete pelo capacete viking, deixámos de enfiar o barrete para exibirmos uma parelha de cornos. Traídos já fomos, há muito. Nórdicos ou atlânticos ou mediterrânicos ou sulistas ou coisa nenhuma. Talvez apenas analfabetos, iletrados, disfuncionais, amarcelados. 

6 comentários:

manuel a. domingos disse...

Somos, sim senhor.
Cada vez mais o sinto no parque escolar, nas salas de aula aquecidas, no salário ao fim do mês.
Sinto-me, cada vez mais, nórdico. Sem dúvida alguma.

hmbf disse...

Força, ainda chegas a esquimó.

manuel a. domingos disse...

Já estive foi mais longe de me tornar aborígene.

hmbf disse...

Então estás em vias de extinção.

manuel a. domingos disse...

Todos os dias um pouco mais.

Anónimo disse...

Claro que estamos ao nível dos nórdicos. Basta ver o que aconteceu no liceu Camões.