Halil Şerif Pasha (n. 1831 – m. 1879), Khalil Bey para os
amigos, foi um diplomata turco nascido no Cairo, filho de militar emigrado no
Egipto com poder económico suficiente para proporcionar aos filhos a melhor das
educações. Iniciou a carreira diplomática em 1856, representando papel de
relevo na Guerra da Crimeia que opôs o Império Russo a uma coligação do Império
Otomano com a França, a Grã-Bretanha e o Reino da Sardenha. Embaixador em
Atenas e São Petersburgo, onde começou a coleccionar arte, retirou-se para
Paris em 1860. Na cidade de todos os vícios foi apresentado aos mais
importantes artistas da época, dedicou-se ao jogo e reforçou a sua actividade
de coleccionador de arte. Adquiriu várias obras de Delacroix, encomendou outras
tantas a Courbet, Ingres, Rousseau, Daubigny… Antes de partir para Viena, em
1868, desfez-se de grande parte da sua colecção, mudando-se posteriormente para
Constantinopla. Os últimos dias são incertos. Certo é que na colecção de Khalil
Bey constavam algumas das mais escandalosas obras do seu tempo. Entre
elas: Le Bain Turc (1862), de Jean-Auguste-Dominique Ingres
(1780-1867).
50 anos tiveram de passar sobre a sua realização para que
esta obra pudesse ser património nacional. O formato circular do quadro,
reforçando a sinuosidade das figuras femininas, remete para o buraco de uma
fechadura através da qual podemos espreitar diversos nus que Ingres pintou ao
longo da carreira e que para aqui recuperou servindo uma encomenda do Príncipe
Napoleão. O voyeurismo é uma das características mais evidentes da
obra. A voluptuosidade destas mulheres, numa postura que sugere um bacanal
lésbico — note-se como no lado direito da composição uma delas
acaricia os seios da outra —, gerou escândalo quando a mulher do príncipe
recusou peremptoriamente adquirir tal indecência. O Banho Turco regressou
às mãos de Ingres, então reputadíssimo artista na casa dos 80. Khalil Bey
adquiriu o quadro posteriormente, juntando-o a outras obras que compunham a sua
vasta e célebre colecção de arte erótica.
Outro quadro dessa colecção, mais afamado do que a obra
de Ingres, era A Origem do Mundo (1866). Ninguém sabe ao certo como
surgiu tal nome. Anos a fio afastado do olhar do público, o quadro teve uma existência clandestina que conheceu apenas as
mãos do autor e do homem que a encomendou: o turco Khalil Bey. Poucos tiveram
acesso à pintura, até depois de Bey se desfazer da colecção. Os nazis queriam
destruir A Origem do Mundo, os soviéticos acharam por bem conservá-la.
Acabou por ir parar às mãos do psicanalista Jacques Lacan. Mesmo Lacan manteve
o quadro escondido durante anos. Hoje, a vulva pintada por Courbet, que há não
muito provocou escândalo lá para as bandas de Braga, pode ser devidamente
apreciada no Museu d’Orsay. Há quem diga que se trata apenas do pormenor de uma
obra maior à qual cortaram a cabeça, não sendo de afiançar que com cabeça
pudesse o corpo desta mulher causar menos escândalo. Amigo de Proudhon,
simpatizante do socialismo anarquista, Courbet é hoje considerado pelos
historiadores o principal representante do realismo democrático. Não admira a
posição dos russos perante tão insuspeito representante do realismo socialista.
O diplomata turco que coleccionava estas pérolas aparece
poucas vezes citado nos livros de arte. Justiça lhe seja feita.
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