Aproveitei dois deprimentes dias folga para me afundar no
sofá a ver filmes. Entre o Centurião (2010), que me apeteceu ver por causa de
Michael Fassbender, e o intragável Ben-Hur (2016) de um tal Timur Bekmambetov,
passando por Killing Season – Temporada de Caça (2013), com Robert De Niro e
John Travolta à pancada, foi muito o sangue, muita a carne decepada, muitos os
corpos mutilados que me passaram pela frente. Safou-se Fences/Vedações (2016),
dirigido e interpretado por Denzel Washington, com argumento baseado num drama de August Wilson. Vê-se como quem assiste a uma peça de teatro. E não
fossem os tiques exagerados de Washington, tanto na representação como na
encenação melodramática do remate, teríamos um filme para mais tarde recordar.
Ainda assim, Troy Maxson é uma personagem marcante. Carrega a cruz doméstica
justificando-se com um passado que poderia ter-lhe reservado presente bem
pior, não fosse a mulher que o conservou e cristalizou na decência da família.
Que a tenha traído para se sentir ele próprio, pode não ser aceitável à luz de
uma moral castradora a que nos conformamos facilmente. Mas é, pelo menos,
compreensível no pântano de frustrações que é a sua vida. É como se a
infidelidade lhe tivesse aberto uma janela de liberdade, permitindo-lhe
respirar para lá do sufoco quotidiano, monótono, rotineiro, forçado pelas
regras da dignidade. Gosto de personagens desviantes, sobretudo quando acabam
sós. É o preço a pagar, naturalmente, pelo encontro com uma liberdade ao que
parece inconciliável com a vida doméstica. Sem ter sangue nem corpos esventrados,
Fences também tem os seus efeitos especiais. E não me refiro ao céu que no
final é rasgado pelo sopro do anjo Gabriel, irmão de Troy. Penso, antes, na
consciência mutilada pelas circunstâncias de cada uma das personagens, no
passado que os esventra obstruindo-lhes o futuro sonhado, desejado,
ambicionado. Pior que cumprir uma pena em clausura, só mesmo sentir-se preso sem crime cometido.
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