No que respeita à religião e à arte de curar, todas as nações se encontram ainda num estado de barbárie. Nos países mas civilizados, o padre ainda é um pow-wow, e o médico um Grande Feiticeiro. Pense-se na deferência com que toda a gente aceita a opinião de um médico. Nada denuncia mais claramente a credulidade do ser humano do que a medicina. O charlatanismo é algo de universal e que tem sucesso em toda a parte. Neste caso, torna-se absolutamente evidente que nenhuma impostura é demasiado grande para a credulidade dos homens. Os padres e os médicos nunca se deveriam encarar de frente. Não existe terreno de entendimento possível, nem há ninguém para fazer de mediador entre eles. Quando um chega, o outro sai. Não podiam vir juntos sem começarem a rir, ou sem estarem mergulhados num silêncio eloquente, pois a profissão de um é uma sátira à profissão do outro, e o sucesso de um seria o fracasso do outro. É espantoso que o médico deva morrer e que o padre deva viver. Por que razão o padre nunca é chamado para consultar o médico? É porque os homens acreditam efectivamente que a matéria é independente do espírito. Mas o que é o charlatanismo? Geralmente é a tentativa de curar doenças de uma pessoa tratando apenas do seu corpo. É preciso um médico que se ocupe simultaneamente da alma e do corpo, ou seja, do homem. Agora ele não faz uma coisa nem outra.
Henry David Thoreau, in Uma Semana nos Rios Concord e Merrimack, trad. Luís Leitão, Antígona, Janeiro de 2018, p. 292. Publicado originalmente em 1849, ao cuidado do Ouriquense.
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