(...) Vladimir Safatle, professor de Filosofia na Universidade
de São Paulo, assinala que da parte de Bolsonaro existiu uma anticampanha, que
se deslocou para o ambiente virtual, baseada no esvaziamento do espaço
político, através de provocações e insultos preconceituosos às minorias —
negros, mulheres, LGBT — e a transmissão de notícias falsas, em substituição do
jornalismo. Safatle realça ainda o potencial fascista mais ou menos recalcado
que está a ganhar direito de existência, não só porque “vários sectores da
sociedade brasileira expressam um padrão racista e preconceituoso”, como porque
a ditadura militar nunca deixou de ter apoiantes. Relativamente a esta, o
“Brasil fracassou redondamente em conseguir superar seu passado ditatorial, que
o volta a assombrar agora” e, por isso, Vladimir Safatle avisa: “Logo, o que
está explodindo hoje era uma bomba-relógio que ninguém quis ver.”
Será expectável que se assista a um longo e duro processo
de resistência à agenda de Bolsonaro e dos seus apoiantes, mas convém desde já
assinalar a demissão dos políticos do centrão que nada fazem para se erguerem —
apoiando Fernando Haddad — contra a catástrofe anunciada, mesmo se serão eles
próprios vítimas desta. Já agora, para quem acha que a esquerda é a grande
responsável pela ascensão da extrema-direita e desresponsabiliza os votantes em
Trump ou Bolsonaro, chamando a atenção para o facto de se não dever
insultá-los, posso dizer que os responsabilizo, sem precisar de os insultar. A
não ser que se sintam insultados por serem considerados egoístas, xenófobos, de
extrema-direita ou fascistas ou cúmplices destes. O historiador do nazismo Ian
Kershaw já alertou há anos para o facto de a estrada para o Holocausto ter sido
construída pelos nazis, mas pavimentada pela indiferença.
Irene Flunser Pimentel, no Público.
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