terça-feira, 23 de outubro de 2018

AUTOESTRADA DA INDIFERENÇA


(...) Vladimir Safatle, professor de Filosofia na Universidade de São Paulo, assinala que da parte de Bolsonaro existiu uma anticampanha, que se deslocou para o ambiente virtual, baseada no esvaziamento do espaço político, através de provocações e insultos preconceituosos às minorias — negros, mulheres, LGBT — e a transmissão de notícias falsas, em substituição do jornalismo. Safatle realça ainda o potencial fascista mais ou menos recalcado que está a ganhar direito de existência, não só porque “vários sectores da sociedade brasileira expressam um padrão racista e preconceituoso”, como porque a ditadura militar nunca deixou de ter apoiantes. Relativamente a esta, o “Brasil fracassou redondamente em conseguir superar seu passado ditatorial, que o volta a assombrar agora” e, por isso, Vladimir Safatle avisa: “Logo, o que está explodindo hoje era uma bomba-relógio que ninguém quis ver.”
Será expectável que se assista a um longo e duro processo de resistência à agenda de Bolsonaro e dos seus apoiantes, mas convém desde já assinalar a demissão dos políticos do centrão que nada fazem para se erguerem — apoiando Fernando Haddad — contra a catástrofe anunciada, mesmo se serão eles próprios vítimas desta. Já agora, para quem acha que a esquerda é a grande responsável pela ascensão da extrema-direita e desresponsabiliza os votantes em Trump ou Bolsonaro, chamando a atenção para o facto de se não dever insultá-los, posso dizer que os responsabilizo, sem precisar de os insultar. A não ser que se sintam insultados por serem considerados egoístas, xenófobos, de extrema-direita ou fascistas ou cúmplices destes. O historiador do nazismo Ian Kershaw já alertou há anos para o facto de a estrada para o Holocausto ter sido construída pelos nazis, mas pavimentada pela indiferença.


Irene Flunser Pimentel, no Público.

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