quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A NINGUÉM QUIS EU NESTE MUNDO



A ninguém quis eu neste mundo
nem com amor fantasiei esperanças.
Mudei meu destino ante o funesto esplendor das palavras
e sou testemunha do meu desdém pelo fulgor da vida.
Percorri campos,
a Puna inóspita e odiada
com pássaros que vivem em liberdade
e gente de alma silenciosa.
Aí vi cavalos procurando a mísera sombra do cacto
e cães dormindo à sombra de um cavalo.
Respirei o ar sujo das cidades
e abominei o dia que me deu luz para ver homens enganados.
Passei noites em gabinetes manchados
com espelhos que mostram o passado e a dor de todos os homens;
neles observei obsessivamente e sem lamúrias
o horrível latejar das minhas fontes,
minha dolorosa imagem de homem sem tempo para chorar sua descrença.
Eu não olhei para as coisas com carinho.
Sou testemunha do meu desdém
pelo vão fulgor da vida.
Apenas sei da morte que dispõe as figuras
que movem marés ocultas no coração
e me entrega palavras que à noite pronuncio
para manchar o mundo de sonho dos homens.

Jorge Calvetti, versão de HMBF a partir do original coligido por Marta Ferrari, in Antología – La Poesía del siglo XX en Argentina, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, pp. 91-92.

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