quarta-feira, 28 de novembro de 2018

ISTO É COMO AS CEREJAS


Diz-se na Wikipédia que são exemplo de obras intertextuais a alusão, a conotação, a versão, o plágio, a tradução, o pastiche e a paródia. Se vem na Wikipédia, é porque é verdade. Qualquer pessoa que escreva já se terá deixado tentar em algum momento por qualquer um dos exemplos de intertextualidade mencionados. Havendo referência explícita ao texto que serve de mote, nada a apontar. Sendo o mote um texto canónico, por demais conhecido, facilmente identificável, não é por aí que o gato vai às filhoses. Agora bem diferente, muito diferente, parece-me ser essa coisa de alguém se apropriar de uma fonte sem deixar claro que ali foi beber.  Isto levanta diversas questões que não me são especialmente caras, nomeadamente relativas ao problema da originalidade e, em casos mais graves, da propriedade intelectual. Até que ponto uma influência deixa de o ser para se transformar em placa de gravura? Por vezes, ocorre-me a possibilidade de alguém estar no outro lado do mundo a ler um texto que me saiu do pêlo — ainda que remota, é uma possibilidade —, apropriar-se dele, mudá-lo para a sua língua, publicá-lo, ser felicitado pelo feito, etc. Como reagiria eu se viesse a dar com a marosca? Já me tem acontecido ver por aí espalhadas, sem qualquer referência à origem, versões minhas de poemas alheios que aqui publiquei; acontece-me de vez em quando ouvir-me/ler-me/ver-me citado sem qualquer referência, pois por norma quem me cita nunca se lembra onde me ouviu (o que está muito bem); também já me aconteceu sentir-me plagiado, claramente plagiado, mas deixei a coisa correr por não ter especial interesse em sentir-me recomendável. Se, por absurdo, viesse a dar com um livro meu publicado, vá lá, no Burkina Faso, assinado por alguém que me fosse totalmente desconhecido, como reagiria eu? Estas dúvidas só têm que ver com a agitação abaixo assinada por mera sugestão. Como é óbvio, não estou a comparar situações. Estou apenas a aproveitar os estímulos.

14 comentários:

manuel a. domingos disse...

A verdade é que a maior parte da malta ri com aquilo que Pacheco fez a Namora. E muitos consideram que a filhadaputice é de Pacheco e não de Namora. Uma coisa é certa: Vergílio Ferreira não achou piada.

Madame Bovary disse...

Neste caso particular, o menino Diogo tem razão, irra, que já chateia! A voz da Golgona é afinada e original, não é por ter ido beber à fonte argentina, que tenhamos agora de andar a apontar o dedo ao seu falsete.

Anónimo disse...

Oh menina aí de cima, a menina é do céu, não é? Original é o que a voz da outra menina é mesmo. É a sublimar essa originalidade que está toda a gente. Lolllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll!!!

manuel a. domingos disse...

E quem falou na falta de originalidade da voz de Golgona Anghel? E quem falou que a voz dela não é afiada? Em Manteigas, a minha terra, quando vamos beber à fonte dizemos "fui à Fonte do Picaõ", ou "fui à Fonte das Forneas", ou "fui à Fonte da Jonja".

E se fosse Manuel Alegre? Não se apontava o dedo ao falsete? E se fosse Nuno Júdice? Fernando Amaral Pinto? Luís Quintais? Não apontaríamos o dedo ao falsete?

Começo a deixar de ter paciência. Mas, também é verdade que tenho bom remédio: calo-me, guardo os esqueletos no armário e pronto! Ora porra!

Anónimo disse...

A ver um par de coisas... DE que vai o poema do Calvetti? Do seu país, da Argentina, desses eternos países do futuro, os da América do Sul... " eu apenas penso no que perdi", lembra-se daquela obsessão com a Europa que está na cabeça de qualquer brasileiro? Até os EUA são na Europa... O mesmo sucede com os argentinos, peruanos... O futuro que nunca chega... Ora, do que vai o da Golghona? da imigrante em terra estranha, da imigrante jovem que chega a Lisboa (pasme-se!) como chega a Paris ou Londres ou Amesterdão, com ilusões e medos nos bolsos. E leva com um país de plástico... Ninguém notou que a Golghona citou e de que maneira o O'Neill? Mas estão parvos ou quê? vê lá se alguém descobre que o Hitchcock citava o Grifitth, ai nossa senhora! Ah, espara mas esse gajo foram uns franceses que afirmaram que era um mestre do cinema. Em Portugal ainda têm conversas do tempo do Castilho...

Anónimo disse...

Já dizia o Cardoso Pires, que era beirão, que da Beira vinham os padres e os polícias...

manuel a. domingos disse...

Já os cobardes anónimos vêm de todo o lado.

Anónimo disse...

http://elpais.com/deportes/2018/11/30/actualidad/1543558949_148002.html

Anónimo disse...

Se quer eu digo-lhe o meu nome, pas probléme. Simplesmente não tenho Google nem blog. Terá de ir como anónimo.

Mas não gostou da citação do Cardoso Pires? Creia-me que não era para ofender, ou seja, não era para o atingir a sim nem pessoalmente nem em particular. Era apenas para vermos como determinadas conversas, pois, são como as cerejas... Além do mais, o Manuel. A. Domingos foi dos poucos que escreveu alguma coisa de jeito por aqui. Mas depois não deixa de dar uma no cravo e outra na ferradura...

Era bom ter uma certa claridade de ideias...

Anónimo disse...




outras cuspo nelas três vezes como um velho soldado

Diogo Vaz Pinto


cuspir três vezes nas mãos como um velho soldado

Georg Heym, poeta



"ar decapitado"


Neste rosto fixo de vidro que me serve
de reflexo, sorrio do meu ar decapitado
entre cabeças que roçam outras estrelas,

Diogo Vaz Pinto



Esta cabeça evanescente e aguda,
tão doce no seu ar decapitado,
do Império portentoso nada tem:

Jorge de Sena



"O Capitão do Fim"

inventa ruas e te empurra para debaixo
das arcadas, onde os capitães do fim
compõem o papelão e reerguem o seu
hotel de grilos e constelações.

Diogo Vaz Pinto



Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

Fernando Pessoa



"soluço obscuro"


Levar depois altíssima a cabeça entre
a vertigem dos ombros, o cigarro ou esse
soluço obscuro de quem segue até ao
último astro.

Diogo Vaz Pinto



sou eu que te abro pela boca,
boca com boca,
metido em ti o sopro até raiar-te a cara,
até que o meu soluço obscuro te cruze toda

Herberto Helder



"vastas terras como a insónia"


A noite estende, por fim, o braço ponteado
de cicatrizes luminosas, mapa das
minhas tristes capitanias, terras vastas
como a insónia.

Diogo Vaz Pinto



A luz devasta as alturas
Manadas de impérios derrotados
O olho retrocede cercado de reflexos
Vastas terras como a insónia

Octavio Paz









Anónimo disse...

E por certa claridade de ideias, refiro-me a uma crítica esclarecida e rigorosa, com argumentos sólidos. Os argumentos ão justificados, como todos aprendemos desde a escola primária. E isso vale para o Henrique Fialho, para o Manuel A. Domingos e para a Golghona.

Agora, o trabalho, digamos assim, do Henrique Fialho não merece uma crítica rigorosa e com argumentos fundados. Merece. E não merece porque sim, merece porque tem interesse suficiente para isso. E o trabalho do Manuel. A. Domingos, idem aspas aspas.

Agora conversas tipo imperial e tremoço no Estádio... O tugúrio até já fechou, agora é alguma coisa para picar turistas ou um daqueles restaurantes que abriu ontem para fechar anteontem... E ainda andamos a foder levianamente para a literatura, para a filosofia e para o que der na bolha. Isso é suicído. Em Portugal, é suicídio.

manuel a. domingos disse...

Assine o texto ao fim: e fim de anonimato. Não é assim tão difícil.

Uma no cravo e outra na ferradura. Pode esclarecer-me melhor?

Anónimo disse...

"Começo a deixar de ter paciência. Mas, também é verdade que tenho bom remédio: calo-me, guardo os esqueletos no armário e pronto! Ora porra!"

A partir daqui podemos elaborar um discurso. Haja vontade

Não me apetece assinar, melhor ir ler livros, incluindo os seus. Isto cansa.

Anónimo disse...

Virginies Despentes, Vernon Subutex 1: "Maintenant, chez Monoprix, il aimerait être venu avec
son bazooka. La grosse blonde en short avec ses cuisses
immondes qui se sape comme si elle était bonnasse alors
que c’est une vache, une balle dans la tête. Le petit couple
façon Kooples tendance catho d’ultra-droite, elle avec
ses lunettes rétro et les cheveux tirés en arrière et lui avec
sa gueule de beau gosse et son oreillette qui téléphone
dans les rayons pendant qu’ils choisissent uniquement
des produits super chers, tous les deux en imper beige
pour bien montrer qu’ils sont de droite : une balle dans
la bouche. Le thunard obèse qui mate le cul des filles en
choisissant sa viande hallal : une balle dans la tempe. La
youpine emperruquée avec ses nibards dégueulasses qui
lui ont poussé juste au-dessus du nombril, il déteste les
meufs qui ont des seins au milieu du ventre : une balle
dans le genou. Tirer dans le tas, regarder les survivants
déguerpir comme des rats et se planquer sous les rayons,
toute cette racaille de merde rassemblée là pour s’empiffrer,
avec leurs petites propensions à mentir, resquiller,
tricher, passer devant, se faire mousser. Faire sauter
tout ça. Mais il est papa, il est un homme marié, il est
un homme adulte alors il ferme sa gueule, il remplit son
caddie et il en bave de rage et encore en rentrant il va
falloir ranger tout ça sinon Marie-Ange fera la gueule et
une journée de plus sans écrire. Il a mal aux mâchoires à
force de serrer les dents."

Spike Lee, The 25th Hour: www.youtube.com/watch?v=O59UDNKWtI0

O filme do Spike Lee é anterior ao livro da Despentes, um dos grandes romances deste século...