terça-feira, 27 de novembro de 2018

"ALGO MUITO MAIOR"


Alguns filósofos ingénuos avançaram a proposta de que só os poetas nos sabem dizer o que é o ser ou o absoluto, mas esses, de facto, exprimem somente o indefinido. Era a poética de Stéphane Mallarmé, que passou a vida a procurar exprimir uma «explicação órfica da terra»: «Digo: uma flor!, e, fora do esquecimento em que a minha voz relega qualquer contorno, enquanto algo de diferente dos cálices conhecidos, musicalmente se eleva, ideia mesma e suave, a ausência de todo o perfume.» Na realidade, este texto é intraduzível, e diz-nos apenas que se nomeia uma palavra, isolada no espaço branco que a circunda, e dela deve brotar a totalidade do não dito, mas sob a forma de uma ausência. «Nomear um objecto é suprimir três quartos do poder da poesia, que é feita da felicidade de adivinhar a pouco e pouco: sugerir, eis o sonho.» Toda a vida de Mallarmé se coloca sob a insígnia deste sonho e, ao mesmo tempo, sob a insígnia da derrota. Derrota que Dante tinha dado como aceite desde o início, compreendendo que é orgulho luciferino pretender exprimir finitamente o infinito, e evitara a derrota da poesia fazendo precisamente poesia da derrota, que não é poesia que quer dizer o indizível, mas poesia da impossibilidade de o dizer.


Umberto Eco, in Aos Ombros de Gigantes, trad. Eliana Aguiar, Gradiva, Outubro de 2018, p. 118.