terça-feira, 15 de janeiro de 2019

100 LIVROS PARA AS MINHAS FILHAS #3


Já vos tendo falado dos discursos de Tuiavii, a que atempadamente pretendo regressar. Quero agora prevenir-vos contra a arte do discurso. Tende a máxima cautela perante compilações tais como “121 Discursos Que Mudaram o Mundo”, “50 Grandes Discursos da História”, “Grandes Discursos da História” e outros que tais. Nessas obras puramente retóricas podeis dar conta de como de palavras está o Inferno cheio, tomando-se aqui a Terra em que vivemos pelas caldeiras de Mefistófeles. Se no discurso vigora a arte de persuadir, nos ouvidos do auditório é bom que vigore a arte de resistir. Cânticos de sereia é o que não falta por onde quer que andemos, no mar ou em terra. E há delas, as mais perigosas, que vestem batina. 
Entre os discursos que vos aconselho está o “Discurso Sobre o Filho-da-Puta”, saído da pena inspirada de Alberto Pimenta (n. 1937). Este homo sapiens que nos idos de 1977 se enjaulou no Palácio dos Chimpanzés, em pleno Zoológico de Lisboa, é dos poucos entre nós que vale a pena escutar sem filtros. Desse gesto performativo retiramos, aliás, sinal daquele cibo de inteligência que leva a considerar o homem o derradeiro estádio na longa evolução dos símios (a qual pode ser entendia no sentido inverso ao comummente e cientificamente propagado). No “Discurso Sobre o Filho-da-Puta” esse sinal agrava-se, quer pela acutilância do pensamento, quer pela pertinência do diagnóstico:

É longa, muito longa, a lista do que pode fazer um filho-da-puta especializado em fazer: desde normas e adendas e emendas de formas, até decretos oblíquos e rectos, e despachos discretos, não há nada, não há praticamente nada que um filho-da-puta especializado em fazer não possa fazer. Em toda a parte, um filho-da-puta especialuizado em fazer encontra ocasião de fazer o que deseja fazer. Desde legislação geral sobre a vida, e respectivos despachos normativos, até à gestão de eventuais e efectivos, passando pela criação e fomento dos «temas voltados para a formação específica e complementar de técnicos vocacionados para a área em questão», ou seja, por manobras de diversão e investimentos complementares, não há nada que o filho-da-puta exclua do seu método de «sensibilização».

   Esta é uma obra preventiva que ajuda a gerar e reforçar resistências contra aquilo a que certo poeta chamou de “burrocracia”, neologismo do nosso tempo que atribui ao comportamento predilecto dos chatos o qualificativo que melhor lhe convém. Ao longo das vossas vidas, poucas personalidades ides encontrar mais perigosas do que aquelas com tomates de burro atacados por chatos. Portanto, preveni-vos. Há deles aos pontapés no nosso país. Agradecei à tia Manuela este exemplar que vos lego. Foi-lhe gamado com muito carinho.

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