PARA ARISTÓMENES DE EGINA, VENCEDOR NA LUTA
446 a.C.
(...)
Quando a alguém cabe em sorte um novo feito esplendoroso,
ele voa para lá da esperança, nas asas da virilidade; a ambição
é mais alta do que a riqueza. Se em pouco tempo cresce a
alegria nos humanos, também em pouco tempo cresce o que
os faz cair por terra, já abatidos pelo derrubar da expectativa.
Tu que existes exposto ao que os dias te trazem, o que é ser
Alguém? O que é não ser Ninguém? O humano é o sonho de
uma sombra.
(...)
Nota: (...) O enunciado de Píndaro substantiva a sombra. Dá-lhe uma existência independente, autónoma. A força metafórica do fenómeno da sombra está investida de um sentido contrário ao comum. O plano supostamente degradado do ponto de vista ontológico é elevado a uma dignidade absoluta. A sombra é uma duplicação que remete para o seu original. Mas nesta operação, detectamos três factores de produção de sombras. Uma fonte de luz, uma sombra e um original interposto entre aqueles dois. A sombra está projectada sobre um plano. O original interfere na irradiação luminosa. A sombra está distante da fonte de luz e contudo sob sua dependência. Este envolvimento de dependência está por sua vez fundado num outro, fenomenalmente mais complexo. O da simultaneidade. A superfície onde a sombra se encontra exposta, a própria sombra, o original e a fonte de luz podem estar afastados, até mesmo muito, no espaço. Mas estão absolutamente sincronizados. Dão-se ao mesmo tempo. De tal sorte que se um desses factores for inibido, se a sincronização for anulada, deixa de haver sombra. Na enunciação de Píndaro, a sombra não é projectada, ela tem uma existência independente. Corresponde ao que para nós é um projéctil e uma fonte de luz. A importância dos factores altera-se. A sombra lança luz. (...)
António de Castro Caeiro, in Píndaro - Odes Píticas, trad. e notas de António de Castro Caeiro, Prime Books, Lisboa, Março de 2006, pp. 107-117.
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