quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

100 LIVROS PARA AS MINHAS FILHAS #5


Fixai este nome, estranho e longo nome: Pierre-Thomas-Nicolas Hurtaut (1719-1791). Historiador, gramático, professor de Latim na Escola Militar, escreveu obras literárias, de filologia, de história, de medicina, mas quis o destino que ficasse para a posteridade como autor de um pequeno livro intitulado L’Art de Péter (1751). Não é caso único neste estranho mundo que um homem se torne imortal pelas mais inusitadas razões. Outro exemplo é Métrocles, que ter-se-á peidado na estreia como orador junto dos seus camaradas cínicos. Tanta foi a vergonha que quis fechar-se para sempre em casa numa derradeira greve de fome. Acabou por ser salvo da morte por Crates, depois de este lhe oferecer tremoços explicando-lhe que um peido era algo de que não devia envergonhar-se por ser a mais natural das manifestações humanas. E então o próprio Crates se peidou.
   Salvo da fome por tremoços, Métrocles fixou-se para sempre na História da Filosofia por um peido. Se julgais, minhas filhas, ser de pouca monta o feito, pensai bem antes de cederdes a julgamentos precipitados. Para nos explicar a relevância da flatulência escreveu Hurtaut A Arte de Dar Peidos (Orfeu Negro, Novembro de 2010). Jorge Lima Alves, no preâmbulo à edição portuguesa, chama-lhe “poeta dos gases” e “sábio da flatulência”, expressões modestas para classificar o verdadeiro alcance deste Ensaio teórico-físico e metódico. São onze capítulos espirituosos e de indubitável rigor científico que esta obra oferece, permitindo-nos, desde logo, entender que «Dar peidos é uma arte e, por conseguinte, algo útil à vida, como afirmam Luciano, Hermógenes, Quintiliano, etc» (p. 19).
   Não sendo fácil cotejar a alusão com as fontes, parece-me compreensível que em nada mudaria nossa opinião acerca destas matérias se concluíssemos que etc jamais proferiu as afirmações que Hurtaut lhe atribui. A verdade é que pelo peido toda a humanidade se liga, sem olhar a género, etnia, estrato social, idade. Trata-se não apenas da mais universal e democrática das manifestações humanas, como também a prova que desmascara as peneiras e desfaz, por assim dizer, a cagança. Da definição alargada de peido ao problema das suas origens, passando pela divisão e estratificação dos mesmos quanto a volume e fragrância, Pierre-Thomas-Nicolas Hurtaut não esgota o tema assumindo as despesas de um potencial estético que não devemos descurar:

Um cientista alemão propôs uma questão difícil de resolver: saber se é possível haver música nos peidos. Respondemos com convicção: com certeza que há música nos peidos ditongos. Não esse tipo de música que se produz com a boca ou recorrendo a um qualquer artefacto, como um violino, uma guitarra, um cravo, etc., mas a que se obtém soprando, por exemplo, numa trompa ou numa flauta. A fim de provar o que afirmo, citarei o exemplo de dois rapazes que se divertiam, realizando, de vez em quando, concertos singulares, aos quais assisti na minha qualidade de colega de turma dos actores. Um deles arrotava a seu bel-prazer, nos mais variados tons, enquanto o outro se peidava com o mesmo talento. Este último, para dar mais elegância ao seu instrumento, punha no chão da sala uma pequena bacia para coar queijos, sobre a qual estendia uma folha de papel. Sentava-se em cima dela, nu, e, meneando as nádegas, soltava sons orgânicos de todo o género. Ouso afirmar que um habilidoso mestre de música poderia ter extraído daqui noções originais e dignas de ser transmitidas à posteridade, e de passarem a figurar nas regras da composição. Poderiam igualmente ser anotadas no modo diatónico, na condição de se proceder por uma dimensão pitagórica.

Das lições que podeis reter deste ensaio satírico, guardai esta: o riso é uma das armas mais eficazes contra o preconceito, faça-se ele ou não acompanhar da música do traseiro.  

2 comentários:

Maria Eu disse...

:D :D

MJLF disse...

Não conhecia esta maravilha hahahahhaha