Fixai este nome, estranho e longo nome:
Pierre-Thomas-Nicolas Hurtaut (1719-1791). Historiador, gramático, professor de
Latim na Escola Militar, escreveu obras literárias, de filologia, de história,
de medicina, mas quis o destino que ficasse para a posteridade como autor de um
pequeno livro intitulado L’Art de Péter (1751). Não é caso único neste estranho
mundo que um homem se torne imortal pelas mais inusitadas razões. Outro exemplo
é Métrocles, que ter-se-á peidado na estreia como orador junto dos seus
camaradas cínicos. Tanta foi a vergonha que quis fechar-se para sempre em casa
numa derradeira greve de fome. Acabou por ser salvo da morte por Crates, depois
de este lhe oferecer tremoços explicando-lhe que um peido era algo de que não
devia envergonhar-se por ser a mais natural das manifestações humanas. E então
o próprio Crates se peidou.
Salvo da fome por tremoços, Métrocles fixou-se para
sempre na História da Filosofia por um peido. Se julgais, minhas filhas, ser de
pouca monta o feito, pensai bem antes de cederdes a julgamentos precipitados.
Para nos explicar a relevância da flatulência escreveu Hurtaut A Arte de Dar
Peidos (Orfeu Negro, Novembro de 2010). Jorge Lima Alves, no preâmbulo à edição
portuguesa, chama-lhe “poeta dos gases” e “sábio da flatulência”, expressões
modestas para classificar o verdadeiro alcance deste Ensaio teórico-físico e
metódico. São onze capítulos espirituosos e de indubitável rigor científico que
esta obra oferece, permitindo-nos, desde logo, entender que «Dar peidos é
uma arte e, por conseguinte, algo útil à vida, como afirmam Luciano,
Hermógenes, Quintiliano, etc» (p. 19).
Não sendo fácil cotejar a alusão com as fontes, parece-me
compreensível que em nada mudaria nossa opinião acerca destas matérias se
concluíssemos que etc jamais proferiu as afirmações que Hurtaut lhe atribui. A
verdade é que pelo peido toda a humanidade se liga, sem olhar a género, etnia,
estrato social, idade. Trata-se não apenas da mais universal e democrática das
manifestações humanas, como também a prova que desmascara as peneiras e desfaz, por
assim dizer, a cagança. Da definição alargada de peido ao problema das suas
origens, passando pela divisão e estratificação dos mesmos quanto a volume e fragrância,
Pierre-Thomas-Nicolas Hurtaut não esgota o tema assumindo as despesas de um
potencial estético que não devemos descurar:
Um cientista alemão propôs uma questão difícil de
resolver: saber se é possível haver música nos peidos. Respondemos com
convicção: com certeza que há música nos peidos ditongos. Não esse tipo de
música que se produz com a boca ou recorrendo a um qualquer artefacto, como um
violino, uma guitarra, um cravo, etc., mas a que se obtém soprando, por
exemplo, numa trompa ou numa flauta. A fim de provar o que afirmo, citarei o
exemplo de dois rapazes que se divertiam, realizando, de vez em quando,
concertos singulares, aos quais assisti na minha qualidade de colega de turma
dos actores. Um deles arrotava a seu bel-prazer, nos mais variados tons,
enquanto o outro se peidava com o mesmo talento. Este último, para dar mais
elegância ao seu instrumento, punha no chão da sala uma pequena bacia para coar
queijos, sobre a qual estendia uma folha de papel. Sentava-se em cima dela, nu,
e, meneando as nádegas, soltava sons orgânicos de todo o género. Ouso afirmar
que um habilidoso mestre de música poderia ter extraído daqui noções originais
e dignas de ser transmitidas à posteridade, e de passarem a figurar nas regras
da composição. Poderiam igualmente ser anotadas no modo diatónico, na condição
de se proceder por uma dimensão pitagórica.
Das lições que podeis reter deste ensaio satírico,
guardai esta: o riso é uma das armas mais eficazes contra o preconceito, faça-se
ele ou não acompanhar da música do traseiro.
2 comentários:
:D :D
Não conhecia esta maravilha hahahahhaha
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