O primeiro dia do ano foi passado a ver filmes, na vã
esperança de adormecer sobre balanços repetitivos e promessas insignificantes. House
at the End of the Street (2012), de um tal Mark Tonderai (n. 1974), chamou-me a
atenção por causa de Elisabeth Shue, que gostei muito de ver em Leaving Las
Vegas (1995), e Jennifer Lawrence, que gosto sempre muito de ver desde que a vi
pela primeira vez em American Hustle (2013). São mãe e filha, qual delas a
melhor, neste thriller fraquito que nunca chega a amedrontar e raramente escapa
à previsibilidade. Mudam-se para uma casa nova (primeiro cliché) que fica paredes-meias
com o local de um terrível e enigmático crime (segundo cliché). À volta das
casas há uma floresta (terceiro cliché). E na casa misteriosa vive o único
sobrevivente da família dizimada, pelo qual a jovem interpretada por Jennifer
Lawrence se apaixona (quarto cliché) com a desaprovação da mãe (quinto cliché).
Um filme de clichés, portanto, que sobrevive da paisagem agradável. Pelo meio
também surge Gil Bellows no papel do polícia. Talvez se recordem dele como
Tommy em The Shawshank Redemption (1994).
O nome de Mike Flanagan (n. 1978) não é desconhecido
entre os fãs do terror. Before I Wake (2016) acaba por se revelar levezinho em
matéria de sustos, mas tem um atraente argumento de contornos psicanalíticos.
Na sequência da perda inesperada de um filho, um jovem casal resolve adoptar
uma criança com vasto historial de abandono. Jacob Tremblay, que tem entrado em
vários filmes bastante populares, tais como Room (2015) e Wonder (2017), é o fofinho
Cody desta história. Sucede que o fofinho tem uma característica muito
especial. Quando sonha, os seus sonhos manifestam-se na realidade. São sonhos
deslumbrantes, com borboletas multicoloridas a passearem dentro de casa. Menos
agradável quando os sonhos se transformam em pesadelos. Caberá à mãe adoptiva
tentar perceber o porquê dos pesadelos, já que acerca da característica
especial de Cody nada parece haver a perceber. Toda a gente simplesmente a assume
como uma característica especial. Before I Wake coloca algumas questões pertinentes
sobre a adopção e as dificuldades de integração numa família. O recalcamento da
perda é outro dos temas abordados com perspicácia.
Disseram-me que Bird Box (2018), de Susanne Bier (n.
1960), tem causado alguma polémica. Não se percebe bem porquê. Filmado ao
estilo Lost, que é assim como quem diz entre o registo de aventura e suspense
de contornos místicos, Bird Box envia-nos para os ambientes pandémicos de A
Peste ou Ensaio Sobre a Cegueira. Baseado num romance de Josh Malerman,
publicado entre nós com o título Às Cegas (TopSeller, 2018), conta com alguns
nomes sonantes no elenco: Sandra Bullock, no papel principal, e John Malkovich,
num papel que lhe assenta que nem uma luva. Trevante Rhodes, que estrelou em
Moonlight (2016), é outra mais-valia de um filme cuja carga metafórica nos
deixa na dúvida sobre se tem algo a dizer ao mundo ou simplesmente quer
parecer que tem. O mundo é invadido por uma coisa que leva as pessoas ao
suicídio sempre que a contemplam. O efeito é imediato, pelo que escapa quem não
olhar para a coisa. Ou quem for cego. A espaços, surgem também uns adoradores
da coisa que não se suicidam, são loucos, psicopatas, gente doida que fica
ainda mais doida, transformando-se em adoradores proféticos da coisa. O que é a
coisa? Esta parece ser a questão. Há quem diga que é a depressão. Por que se suicidam as pessoas quando a vêem?
Este é o mistério. Há quem diga que é por ficarem deprimidas. Não me parece que valha a pena tentar desvendar o mistério.
Lembram-se de Festen (1998), de Thomas Vinterberg (n.
1969)? Retirem-lhe a carga trágica de contornos nórdicos, apliquem-lhe um tom
de comédia mediterrânica. Têm A casa tutti bene (2018), de Gabriele Muccino (n.
1967). Reunidos na casa de família numa ilha italiana, tipo Berlenga com
estilo, irmãos, tios e primos reúnem-se para festejar as bodas de ouro de
Pietro e Alba. Cenário encantador, a alegria da comunhão e da família reunida.
Depois vem a tempestade. Retidos na ilha, os problemas surgem à tona quando as
invejas, os ciúmes, os rancores, as traições recalcados entre todos começam a
trovejar. O tom de graça mistura-se com alguma histeria, a festa dá lugar a uma
nostalgia inofensiva, estamos todos em família a tentar aguentar os vícios uns
dos outros. Não há desfechos abruptos nem violência, apenas paixão. Italianos
aos gritos. O resultado é agradável, pese embora o tom conservador do
papel da mulher na família. E à excepção de um problema de finanças, todos os
outros são problemas de cama. Portanto, nada que não se resolva com mais cama.
Ou no sofá, a ver filmes.
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