Chego finalmente a The Girl With The Dragon Tattoo/Millennium
1: Os Homens Que Odeiam as Mulheres (2011), adaptação de David Fincher (n.
1962) do primeiro volume da famigerada trilogia do nórdico Stieg Larsson. Se
não sou especialmente fã do género em livro, aprecio-o sobremaneira em filme. E
Fincher já nos ofereceu garantias de qualidade. A sua linguagem começa por
ganhar consistência na realização de videoclips, sendo a música uma das
componentes mais fortes transportada desse universo para a longa-metragem. Filmes
como Alien 3 (1992), Se7en (1995), The Game (1997), Panic Room (2002) e Zodiac
(2007) ajudaram a consolidar a aura de mestre do suspense nos nossos tempos.
The Girl with the Dragon Tattoo tem contra si Daniel Craig no papel do
jornalista Mikael Blomkvist. É uma embirração pessoal, aqui justificada pelos
inegáveis tiques de agente "double 0 seven" de que o autor não se conseguiu
libertar. O tom ligeiro do agente ao serviço de sua majestade não convém nada
ao jornalista caído em desgraça do romance de Larsson. Felizmente estão por
perto Christopher Plummer e Stellan Skarsgård para salvarem a honra do
convento. E, mais que todos, acima de todos, está a surpreendente Rooney Mara
no papel de Lisbeth Salander, tão fragilzinha que parece nas fotografias, tão vigorosa
que se apresenta na tela. Gosto destas personagens desviadas com uma sabedoria
acima da média, tipos com historiais de vida desgraçados que se revelam inteligentíssimos
contras as expectativas mais doutrinais do comportamento. Recordo, a título de exemplo,
o Good Will Hunting (1997) de Gus Van Sant (n. 1952). A Lisbeth Salander a quem
Rooney Mara oferece consistência é uma dessas personagens onde a fragilidade e
a capacidade de resistência estão em constante duelo, jamais sendo perceptível
qual delas poderá sair vencedora porque, no final, a solidão tomará conta de
ambas. O crime desvenda-se, mas a heroína da história acaba só. Bom final.
Também vi ontem, pela primeira vez, The Claim/Ameaça do
Passado (2000), incursão de Michael Winterbottom (n. 1961) pelo western. Do
realizador britânico recordo com especial interesse 24 Hour Party People
(2002), recriação do ambiente explosivo que esteve na origem da cena musical de
Manchester. Curiosamente, The Claim é anterior. A história baseia-se num livro
de Thomas Hardy (1840-1928) que já tinha inspirado uma série de televisão em
1978 e um filme, também para televisão, em 2003, com o título original The
Mayor of Casterbridge. Winterbottom parece ter uma predilecção pelo pessimista
inglês, já que em 1996 adaptou-lhe outro romance com o filme Jude. The Claim
transporta-nos para dois temas complementares na história do western, a
chamada febre do ouro e a monumental construção da ferrovia. Algures num pequeno
povoado atapetado de neve, um pioneiro troca a mulher e a filha bebé por uma
concessão onde pretende encontrar ouro. Mais tarde, rico e com toda a povoação
local a seus pés, é revisitado pela ex-mulher e pela filha já crescida. Só ele
e a ex-mulher sabem do sucedido, encontrando-se esta gravemente doente.
Nastassja Kinski, que até a vomitar sangue não perde a compostura, é a Elena Dillon
outrora trocada por ouro. Peter Mullan tem a seu cargo o exigente papel de Daniel Dillon,
mas falta-lhe estaleca. O homem atormentado pela consciência do passado nunca surge convincente. Quem também não passa
despercebida é Milla Jovovich, no papel muito justo e agradável de se
contemplar de dona de bordel. Infelizmente para nós, Winterbottom coloca-a a
cantar fado em duas cenas de péssima memória. Wes Bentley vacila como um
sinal intermitente na postura determinada a que está obrigado e na figura de
galã desenxabido a que as circunstâncias obrigam. A música de Michael Nyman,
neste caso, também não ajuda. Ao desviar-se dos excessos de violência
tantas vezes acusados no western, Michael Winterbottom resvala para um excesso
de romantismo nada cativante. Num
género que se quer essencialmente apaixonado, ele moraliza. São demasiados os
coitadinhos, os casamentos improváveis, os amores inverosímeis. Neste sentido, tem mais de western a personagem de Lisbeth
Salander do que qualquer uma das aqui representadas.
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