Referi-me anteriormente a Michael Finkel a propósito do
livro “Fora do Mundo” (Elsinore, Maio de 2017), trabalho de pendor jornalístico
em torno da misteriosa figura de Christopher Knight (27 anos completamente isolado e incomunicável, por vontade própria). Soube recentemente
que a vida de Finkel deu um filme. Jonah Hill é o actor que reencarna o
ex-jornalista do The New York Times, despedido depois de se descobrir que forjou
a identidade do protagonista de uma das suas reportagens a partir de múltiplas
entrevistas a diversas fontes. O tema era a escravatura na África
contemporânea, e colocava em causa o papel de várias ONG no terreno. Desacreditado enquanto jornalista, Finkel reencontrou-se
como escritor. É o episódio deste reencontro que o realizador Rupert Goold (n.
1972) procura recriar em True Story (2015). Parece mentira, mas no exacto
momento em que Finkel andava pelas ruas da amargura chegam-lhe ecos de uma
história que ele acabará por transformar em livro. Algures no Oregon, um tipo
acusado de assassinar toda a família (mulher e três filhos menores) fizera-se
passar pelo jornalista Michael Finkel enquanto fugitivo. Finkel, o próprio,
visita Christian Longo (interpretado por James Franco), o recluso, na prisão,
ansioso por perceber por que tinha sido escolhido como disfarce de um suposto
criminoso. True Story recria com agradável sobriedade o relacionamento entre
Michael Finkel e Christian Longo, levantando questões intrincadas acerca do
problema da identidade e, acima de tudo, do valor da verdade enquanto matéria
jornalística e farol existencial. Num jogo de procura e descobre, o ex-jornalista propõe-se
escrever a verdade de Longo em livro. Mas será possível chegar a essa verdade?
Estará Longo disposto a revelá-la? Não passará toda a história que diz ter para contar de um ardil
para usar em sua defesa no tribunal? Estará Finkel, ex-jornalista acusado de
manipular a verdade, a ser usado por Longo? A “true story” prometida por Longo
a Finkel terá na sua origem outros motivos que não uma confissão autêntica dos
factos? Das entrevistas, acabou por resultar o livro “True Story: Murder,
Memoir, Mea Culpa” (2005). Sem nunca perder a sobriedade, Rupert Goold consegue
manter-nos em tensão do princípio ao fim. Bom filme.
Nos antípodas, o western In a Valley of Violence/Terra
Violenta (2016), de Ti West (n. 1980). Algo que se lamenta, desde logo, olhando
para o elenco: Ethan Hawke no papel de Paul e John Travolta como Marshal. Outra
presença marcante é a de Burn Gorman, padre alcoólico,
vagabundeando de cidade em cidade, tentando espalhar a palavra de Deus junto de
almas vendidas ao Diabo. Ele próprio mais parece agente do Diabo do que um
servo de Deus. Desencontrado entre o estilo spaghetti e o misticismo de alguns
westerns históricos, In a Valley of Violence nunca chega a encontrar-se. É um
filme sem personalidade, manta de retalhos com citações desconexas e pouco
inspirado na conjugação das fontes. Paul é um ex-soldado em busca de paz e sossego
na direcção do México. Segue na companhia de uma cadela (sem dúvida um dos
melhores desempenhos é o da cadela Jumpy) até tropeçar com um bando de gente
tonta numa cidade que mais parece o Inferno. Em Denton mandam um Marshal que
nunca chegamos a saber se é bruto dos queixos ou simplesmente mais esperto que
a cambada de idiotas que o rodeia, entre os quais se destaca o filho de nome
Gilly. Quando passa pela cidade, Paul só quer beber água, alimentar os animais,
tomar um banho. Mas na sequência de uma provocação, acaba por se envolver com o
impetuoso Gilly. A partir daqui começa a sua ligação à cidade, a qual
terminará com uma batalha sangrenta de um solitário contra todos. Ou nem por
isso. A violência e as deixas humorísticas dos diálogos, acompanhados de uma
banda sonora a preceito, colam o filme aos tiques narrativos que Tarantino
recuperou em Django Unchained (2012). Mas Ti West está longe de ser Quentin
Tarantino, o que se nota, desde logo, na indecisão manifesta entre esse registo
e um tom místico na personagem atormentada pelo passado de Ethan Hawke. O
passado de violência, os traumas de guerra, o abandono da família perseguem-no
como a sombra, são uma densa camada de pó que carrega sobre os ombros e da
qual nunca se liberta. Bem que tenta tomar banho, mas dura-lhe pouco a
limpeza. Ora, a personagem atormentada de Ethan Hawke não liga com os tiques anedóticos
e caricaturais das restantes personagens. Portanto, não chegamos bem a saber
quem está mal e onde. O que é certo é que tudo parece desconexo, mero
entretenimento sem substância.
2 comentários:
Só vi o primeiro filme. Fui vê-lo ao cinema. Gostei bastante.
Vi anteontem na televisão, via Netflix. Excelente surpresa.
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