sábado, 26 de outubro de 2019

MAPAS


John Freeman (n. 1974) foi editor da Granta entre 2009 e 2013, revista literária cuja edição portuguesa é publicada pela mesma editora que acolheu por cá o seu primeiro livro de poemas. Mapas (Tinta-da-China, Março de 2019), com tradução de Miguel Cardoso, surge à margem da colecção de poesia da mesma editora, o que lhe confere certo destaque, mas quem esteja familiarizado com a moderna poesia norte-americana perceberá não haver nada de excepcional neste livro. Os três conjuntos nele incluídos mapeiam os lugares e as memórias do autor, resvalando amiúde para um biografismo, de que o poema “A Insciência” é o exemplo mais vivo, assinalado por perdas pessoais, pelo contexto familiar, pela doença e pela dor. Este território íntimo faz-se acompanhar por um percurso que nos desloca amiúde para cenários desoladores e conflituosos, através de referências a Beirute, Sarajevo, Damasco, só para dar três exemplos. Alguns poemas referem-se a situações específicas, localizadas no espaço e devidamente datadas, outros são mera expressão de um intimismo marcado pela dor da perda: «E / se tatuasse / a cara dela / na minha cara, achas / que chega? Conduzimos / por uma milha, em / silêncio até nos / apercebermos de / que é precisamente / isso que uma cara é» (p. 83). Fazendo uso de uma linguagem sóbria e contida, Freeman relata-nos viagens no espaço e no tempo, faz de cada poema testemunho de um momento onde a paisagem física se mistura com reflexão. Por vezes o verso alonga-se e chega a transformar-se em prosa, sem que cheguemos a dar pela diferença entre a realidade restringida no poema curto e a espraiada em verso longo. Lá pelo meio há um poema em toada portuguesa:

SAUDADE

quer dizer nostalgia, fiquei a saber, mas também
nostalgia do que nunca foi. Mas não é
a mesma coisa? Num café
do Rio moscas coroam o meu copo.

Como te terias deliciado com isto: o empregado
a escurecer de suor a camisa de rede. Crianças
a trotar de fatinho ou calção comprido arrastando
brinquedos e toalhas rumo à praia. Falamos,

ou falo eu, imagino a tua resposta, o calor a toldar-nos a vista.
Aqui, outra vez, o desgosto vertido na sua mais cruel tradução:
o meu tu imaginado é tudo o que me resta de ti.


John Freeman, in Mapas, Tinta-da-China, trad. Miguel Cardoso, Março de 2019, p. 103.

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