Um sem-abrigo dirigiu-se a mim para me vender a revista Cais, à porta do Shopping Brasília. E eu dei-lhe qualquer coisa e ele disse-me assim: «Ó, senhor Pina, queria pedir-lhe um favor.». E começou a tratar-me pelo nome. «Queria pedir-lhe aquele seu livro, O regresso a casa.». Chama-se O Caminho de Casa, na realidade. «É o seu único livro que eu não tenho. E não tenho dinheiro para o comprar.». Eu fiquei banzado! Como é que um sem-abrigo conhece a minha poesia?! E perguntei-lhe: «O senhor passa por aqui? Eu arranjo-lhe esse livro.». «Sim, sim, agora estou aqui sempre, ando sempre por aqui.». De maneira que, no dia seguinte, fui lá levar-lhe o livro. Até pensei meter uma nota dentro do livro, mas depois tive vergonha. E dei-lhe o livro. Contei depois esta história a algumas pessoas por ser uma história surpreendente. O único dos meus livros de poesia que não tinha?!... Já nem sei em que ano foi isto; foi ainda antes do Euro porque a ideia que eu tinha era pôr dentro do livro uma nota de mil escudos. E tive vergonha porque não se dá assim dinheiro a uma pessoa que o que quer é um livro de poesia. Lá lhe dei o livro e perdi-lhe o rasto. Um dia, estava com o Germano Silva, a quem contei esta história, estacionei o carro na Praça de Lisboa, num parque, e o homem estava a pedir ali à porta. Já não estava a vender a revista Cais; estava a pedir. «Como está, senhor Pina?», cumprimentou-me outra vez, eu dei-lhe qualquer coisa e disse ao Germano: «Este é que foi o tal homem, o tal sem-abrigo que me pediu o livro.». E o Germano reconheceu-o: «Este homem era livreiro.». Então ele trabalhava, salvo erro, no Marinho, um alfarrabista aqui do Porto. E ainda anda por aí a pedir. Agora pára na Rua Fernandes Tomás, disse-me o Germano, que o encontrou no outro dia. Porque é que eu conto esta história? Porque este homem também tem consciência da presença do regresso na minha poesia. Ele disse-me que o título do livro era O regresso a casa. Ele associou o caminho de casa ao regresso a casa, achou natural que o título fosse este. Curioso, não é?
Manuel António Pina, citado por Inês Fonseca Santos, in Regressar a casa com Manuel António Pina, Abysmo, Fevereiro de 2015, pp. 62-63.
5 comentários:
Isso não tem preço! Fez bem não colocar o dinheiro dentro do livro.
Abraços,
Sônia
Pobre Pina.
Apenas como acessório
Manuel António Pina era cliente frequente do Café Orfeu-pequenino que fica ao virar da esquina do Shopping
Adelino,
sou neta de avó portuguesa mas moro no Brasil. Então não sei onde fica o Café Orfeu. Infelizmente não conheço Portugal.
Abraços,Sônia.
Que par de jarras aqui se juntou, os parolos sr. Pina e sr. Silva, um foi escritor medíocre com o qual os cidadãos Portuenses e a Cidade do Porto não se identificam (embora se faça muita propaganda para o tentar colar ás gentes do Porto e à Invicta), o outro dedica-se a reescrever a História da Cidade do Porto e a fabricar factos sobre a essência, costumes, e tradições Portuenses.
Enviar um comentário