quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

ALQUIMIA PERDIDA



«Ó Sombra, toma corpo e carne viva, / Ressurge, à luz do sol!», «Onde começa a luz do teu olhar?», «Sonhaste-me... e fui dada à luz do dia...», «A cada ser externo corresponde / Íntimo ser quimérico e vivente», «Amo-te mais por tudo o que não sei / Dizer, quando te vejo! Pelo verso, / Imortal e divino, que eu sonhei / E, inominado, paira no meu canto», «Toda a morte é regresso e a vida, apenas, / Um adeus, um partir, para voltar», «Eu não sou a alegria, mas apenas / A trágica matéria que a produz», «Uma árvore, sonhando, que veria?», «Era o sorriso imenso da montanha», «E viu que a natureza transitória, / Em seu imaterial desdobramento, / Destrói o espaço, o tempo e tudo quanto / É vã fragilidade e sofrimento», «o pensar é triste, mesmo quando / É alegre o pensamento», «a lágrima / É relâmpago de água e de tristeza», «E continuou falando, como quem / Anda sozinho e triste; e não se lembra / Que, se fala em voz alta, é para alguém!», «Eis o grande milagre! Deus é o homem / Na sua criação espiritual; /  Em vez de o homem ser Deus, na sua obra / De quebradiço barro material...», «Eis a própria alegria a caminhar...», «Onde ponho os meus pés, floresce a terra, / Brilha a luz, onde ponho o pensamento!»...

Assim escreve Teixeira de Pascoaes numa obra-prima intitulada "Marânus", um dos grandes poemas portugueses, só comparável a "Os Lusíadas" ou "A Margem da Alegria", de Ruy Belo. Quem está hoje habilitado a compreender a alquimia de Pascoaes, para quem toda a Natureza respira, sombra e luz são uma única realidade e a própria realidade se confunde com aquele que a sonha? 

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