quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

PLANETA VINIL



    Começámos a ouvir falar do “buraco de ozono” em meados da década de 1980, tendo sido necessários dez anos, pelo menos, para que o assunto chegasse às escolas, acompanhado de um discurso pedagógico acerca do perigo da emissão de gases poluentes. As causas ambientalistas e ecológicas adquiriram desde então uma nova relevância, levando à alteração, ainda que lenta, de alguns comportamentos sociais e à adopção de medidas para a resolução de um problema global. O Nobel da Paz de 2007 entregue a Al Gore não foi por acaso, se tivermos em conta o documentário por ele assinado sobre as mudanças climáticas: “An Inconvenient Truth” (2006). 
   Entre o Protocolo de Montreal (1985), que tinha em vista diminuir a utilização de clorofluorcarbonetos pelos países mais desenvolvidos, e o Protocolo de Quioto (1997), que estabelecia metas de redução das emissões de gases de efeito de estufa, pouco mudou em matéria de “realismo político”. O que, de facto, parece estar a mudar é o clima na Terra, com consequências à vista de todos, excepto daqueles, cada vez menos, que teimam em opor-se a uma declaração de estado de emergência climática. Não deixa de ser sintomático de uma certa pasmaceira burocrática que seja uma jovem ambientalista a agitar as águas da decisão política, estimulando as populações a forçarem a adopção de medidas concretas pelos seus governos. Por todos os defeitos que tais movimentos possam ter, este mérito de congregação em torno de uma causa comum já ninguém lhe retira. Sucede que a agudização do discurso ambientalista se faz acompanhar de uma vertigem apocalíptica nada recomendável, tornando por vezes difícil destrinçar quanto há de fundamentalista ou de científico nestas batalhas. 
   Como transmitir a uma criança ou a um jovem a pertinência da causa ambiental, sem que tal pressuponha uma fantasmagoria catastrófica mais deprimente do que estimulante? Como explicar a uma criança que a possibilidade do mundo acabar não nos deve alhear do mundo, mas sim trabalhar para que ele se renove e perdure? Peças tais como “Dois Narizes num Mar de Plástico” (2019) e “Planeta Vinil” (2020), a mais recente assinada por Cecília Ferreira, ambas encenadas por Fernando Mora Ramos para o Teatro da Rainha, inserem-se num contexto de sensibilização para os grandes temas da actualidade que parte de um princípio de entendimento da criação artística enquanto elemento integrante das dinâmicas transformadoras da sociedade. Recusando uma atitude evangelizadora, são peças ditas para a infância que não se demitem de problematizar o mundo actual. 
    A ideia de um “Planeta Vinil” é especialmente feliz, se tivermos em conta que para um jovem da era digital o vinil tem já a natureza obsoleta dos artigos de colecção tal como o planeta Terra aparenta ter sido arrumado na cabeça de alguns líderes mundiais. Às voltas num lado A riscado, uma galinha poedeira une-se a um escaravelho e a uma criança ruiva como o era a Pipi das Meias Altas (a de agora perdeu as tranças), liderados por um peixe fora de água, todos na demanda de um lado B para o mundo. Onde ficará o lado B do mundo? Haverá um avesso do mundo? Sob ameaça de extinção, a trupe caminha a esmo — mas não desiste de caminhar. Perseguidos pelo fantasma do fim, têm no horizonte um objectivo que incita à união, afastando dentre todos preconceitos acerca das características específicas de cada qual.
   Mensagem positiva e conscienciosa, num cenário modesto, mas persuasivo, acompanhada de várias situações cómicas, gagues ao gosto de uma infância que não deixará escapar o sentido parabólico das personagens-tipo em cena. Dos ovos avariados da galinha poedeira ao estrume em que o escaravelho rebola, passando pelo peixe fora de água cujas capacidades de liderança se pautam por ideais à toa, são várias as hipóteses de abordagem desta peça que pode ser vista como uma fábula tanto acerca de um fim iminente — e, por isso mesmo, aterrador , como de uma urgente e necessária congregação de esforços em prol da continuidade da vida na Terra. E neste sentido o terror rende-se à esperança, para lá dos preconceitos que separam o pessimismo do optimismo.

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