Começámos a ouvir falar do “buraco de ozono” em meados da
década de 1980, tendo sido necessários dez anos, pelo menos, para que o assunto
chegasse às escolas, acompanhado de um discurso pedagógico acerca do perigo da
emissão de gases poluentes. As causas ambientalistas e ecológicas adquiriram desde
então uma nova relevância, levando à alteração, ainda que lenta, de alguns
comportamentos sociais e à adopção de medidas para a resolução de um problema global.
O Nobel da Paz de 2007 entregue a Al Gore não foi por acaso, se tivermos em conta
o documentário por ele assinado sobre as mudanças climáticas: “An Inconvenient
Truth” (2006).
Entre o Protocolo de Montreal (1985), que tinha em
vista diminuir a utilização de clorofluorcarbonetos pelos países mais
desenvolvidos, e o Protocolo de Quioto (1997), que estabelecia metas de redução
das emissões de gases de efeito de estufa, pouco mudou em matéria de “realismo
político”. O que, de facto, parece estar a mudar é o clima na Terra, com
consequências à vista de todos, excepto daqueles, cada vez menos, que teimam em
opor-se a uma declaração de estado de emergência climática. Não deixa de ser
sintomático de uma certa pasmaceira burocrática que seja uma jovem
ambientalista a agitar as águas da decisão política, estimulando as
populações a forçarem a adopção de medidas concretas pelos seus governos. Por
todos os defeitos que tais movimentos possam ter, este mérito de congregação em
torno de uma causa comum já ninguém lhe retira. Sucede que a agudização do
discurso ambientalista se faz acompanhar de uma vertigem apocalíptica nada recomendável, tornando
por vezes difícil destrinçar quanto há de fundamentalista ou de científico nestas
batalhas.
Como transmitir a uma criança ou a um jovem a pertinência da causa ambiental, sem que tal pressuponha uma fantasmagoria
catastrófica mais deprimente do que estimulante? Como explicar a uma criança que a
possibilidade do mundo acabar não nos deve alhear do mundo, mas sim trabalhar
para que ele se renove e perdure? Peças tais como “Dois Narizes num
Mar de Plástico” (2019) e “Planeta Vinil” (2020), a mais recente assinada
por Cecília Ferreira, ambas encenadas por Fernando Mora Ramos para o Teatro da Rainha, inserem-se num
contexto de sensibilização para os grandes temas da actualidade que parte de um
princípio de entendimento da criação artística enquanto elemento integrante das
dinâmicas transformadoras da sociedade. Recusando uma atitude evangelizadora,
são peças ditas para a infância que não se demitem de problematizar o mundo actual.
A ideia de um “Planeta Vinil” é especialmente feliz, se tivermos
em conta que para um jovem da era digital o vinil tem já a natureza obsoleta
dos artigos de colecção — tal como o planeta Terra aparenta ter sido arrumado na
cabeça de alguns líderes mundiais. Às voltas num lado A riscado, uma galinha
poedeira une-se a um escaravelho e a uma criança ruiva como o era a Pipi das Meias Altas (a de agora perdeu as tranças),
liderados por um peixe fora de água, todos na demanda de um lado B para o mundo. Onde ficará o lado B do mundo? Haverá um avesso do mundo? Sob ameaça de extinção, a trupe caminha a esmo — mas não desiste de caminhar.
Perseguidos pelo fantasma do fim, têm no horizonte um objectivo que incita à
união, afastando dentre todos preconceitos acerca das características
específicas de cada qual.
Mensagem positiva e conscienciosa, num cenário modesto, mas persuasivo, acompanhada de
várias situações cómicas, gagues ao gosto de uma infância que não deixará
escapar o sentido parabólico das personagens-tipo em cena. Dos ovos avariados da
galinha poedeira ao estrume em que o escaravelho rebola, passando pelo peixe
fora de água cujas capacidades de liderança se pautam por ideais à toa, são
várias as hipóteses de abordagem desta peça que pode ser vista como uma fábula tanto acerca de um fim iminente — e, por isso mesmo, aterrador —, como de uma
urgente e necessária congregação de esforços em prol da continuidade da vida na
Terra. E neste sentido o terror rende-se à esperança, para lá dos preconceitos que separam o pessimismo do optimismo.
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