Conheci mal a irmã de meu pai. Chamava-se Lurdes, dizem-me que foi comunista até ter começado a votar Cavaco. Quando faleceu, voluntariei-me para transportar um tocheiro entre a igreja e a cova onde foi sepultada. Minha mãe confessou-me, à época, que teve de conter o riso ao ver-me de casula e estola. O ateísmo que me desviou dos caminhos de Deus não foi suficiente para me furtar a esse gesto mínimo por uma tia tão distante na vida como na morte. Tenho privado mais com a irmã de minha mãe, a tia Elvira a quem ofereci os únicos policiais que comprei na vida. Este ano optei por Amin Maalouf, uma narrativa alegadamente histórica sobre o poeta Omar Khayyam. Quando penso nas minhas tias vem-me à memória a música de Benny Goodman. Não sei porquê, suponho que nunca as tenha visto dançar. Também me lembro de militares regressados de guerras impiedosas a vibrar com a voz de Martha Tilton. E de um homem que vi há dias no café da aldeia onde os meus pais nasceram, a cara chapada de Louis Prima, a reclamar com os forasteiros, chegados da cidade, que jamais saberão o que é um dia na província se nunca enterrarem as botas na lama para ficarem com o cheiro a estrume entranhado na pele e uma enorme vontade de beber para se esquecerem de onde estão. E lembro-me das mulheres que desbaratam horas de vida ao telefone a inventar desculpas para não terem atendido quando era preciso que atendessem. E digo a mim próprio que só não perdoo quem se serve de terceiros para justificar o calculismo com que aceita ou deixa de aceitar um convite para dançar.
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