46. Mentiras
Sentiu o suicídio do marido da irmã como um golpe terrível. Agora era responsável pela família dela também. Pelo menos para ele, o futuro parecia-lhe tão sombrio como o fim do dia. Sentiu algo parecido com um riso sarcástico que a sua bancarrota espiritual despertava (estava ciente de todas as suas culpas e fraquezas, de cada uma delas), mas continuou a ler um livro atrás do outro. Até as Confissões de Rousseau estavam cheias das mais heróicas mentiras. E quando chegou a vez de Vida Nova, de Tōson, sentiu que nunca conhecera um hipócrita tão astuto quanto o protagonista daquele romance. Mas quem o comoveu verdadeiramente, contudo, foi François Villon. Encontrou nas muitas obras daquele poeta o «homem belo».
Por vezes, em sonhos, chegava-lhe a imagem de Villon à espera de ser enforcado. Tal como Villon, por várias vezes quase tinha caído nas superlativas profundezas da vida, mas nem a sua situação nem a sua energia física lhe permitiam continuar a fazê-lo. Estava a ficar gradualmente mais fraco, como a árvore que Swift vira, há tanto tempo, a murchar de cima para baixo.
Nota: Diz-se que Jonathan Swift (1667-1745), pouco depois de cumprir 50 anos, apontou para uma árvore murcha e predisse com uma precisão inquietante: «Serei como aquela árvore. Morrerei a partir do topo», ver Robert Wyse Jackson, Jonathan Swift: Dean and Pastor (Londres: Society for Promoting Christian Knowledge, 1939), p. 94. [N.E.]
Ryūnosuke Akutagawa, in Rashōmon e Outras Histórias, trad. Virgílio Tenreiro Viseu, 2.ª edição, Junho de 2019, p.290.
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