escreves mas não queres
que fique escrito: pelo menos
tão completamente: daí as
metáforas, as alusões, os
enigmas biográficos: daí as
folhas amarrotadas, as frases
que já não se conseguem ler:
o que importa?: falaste contigo,
tentaste ver o lado invisível
do teu eu: (uma vez mais
sem sucesso):
Rui Tinoco (n. 1971), in poema aberto ao silêncio
(Eufeme, 2020). Estreia em livro com O Segundo Aceno (Edições Sempre-em-Pé,
2011). Com o poema aberto ao silêncio, conjunto uniforme de versos minimalistas, fica clara uma tendência para o apagamento cultivada desde o
início. Exemplo disso mesmo é também o livro Era Uma Vez o Branco (volta d’mar,
2013), título que de algum modo ironiza o processo de escrita a que esta poesia
se submete. O branco é o vazio que a palavra preenche, a transparência que a
tinta conspurca, o poema é o exercício da língua que atraiçoa a clarividência
do silêncio. Pressupondo um propósito na escrita que é o da crença num contacto
com o invisível, a hipótese da revelação resulta invariavelmente frustrante.
Fechado sobre si mesmo, o eu não se revela e a escrita redunda numa repisada ineficácia. A verdade persiste aquém da nomeação. Porquê continuar? Porquê insistir? Os poemas de Rui Tinoco são uma interrogação
ininterrupta acerca do sentido da escrita, desacordo entre a necessidade que é
suposto o poema satisfazer e a insatisfação que dele se retira. Porque o
irrevelado permanece irrevelável, o horizonte mantém-se inalcançável, a
essência escapa e a linguagem tem os seus limites. São poemas marcados pela
ausência, o uso insistente dos dois-pontos anuncia uma suspensão que nada
define, nada determina, nada esclarece a não ser uma dúvida permanente acerca
do mundo e das possibilidades de o representar, transfigurar, expressar através
da língua.
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