quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

[escreves mas não queres]

 


 

escreves mas não queres
que fique escrito: pelo menos
tão completamente: daí as
metáforas, as alusões, os
enigmas biográficos: daí as
folhas amarrotadas, as frases
que já não se conseguem ler:
o que importa?: falaste contigo,
tentaste ver o lado invisível
do teu eu: (uma vez mais
sem sucesso):
 
Rui Tinoco (n. 1971), in poema aberto ao silêncio (Eufeme, 2020). Estreia em livro com O Segundo Aceno (Edições Sempre-em-Pé, 2011). Com o poema aberto ao silêncio, conjunto uniforme de versos minimalistas, fica clara uma tendência para o apagamento cultivada desde o início. Exemplo disso mesmo é também o livro Era Uma Vez o Branco (volta d’mar, 2013), título que de algum modo ironiza o processo de escrita a que esta poesia se submete. O branco é o vazio que a palavra preenche, a transparência que a tinta conspurca, o poema é o exercício da língua que atraiçoa a clarividência do silêncio. Pressupondo um propósito na escrita que é o da crença num contacto com o invisível, a hipótese da revelação resulta invariavelmente frustrante. Fechado sobre si mesmo, o eu não se revela e a escrita redunda numa repisada ineficácia. A verdade persiste aquém da nomeação. Porquê continuar? Porquê insistir? Os poemas de Rui Tinoco são uma interrogação ininterrupta acerca do sentido da escrita, desacordo entre a necessidade que é suposto o poema satisfazer e a insatisfação que dele se retira. Porque o irrevelado permanece irrevelável, o horizonte mantém-se inalcançável, a essência escapa e a linguagem tem os seus limites. São poemas marcados pela ausência, o uso insistente dos dois-pontos anuncia uma suspensão que nada define, nada determina, nada esclarece a não ser uma dúvida permanente acerca do mundo e das possibilidades de o representar, transfigurar, expressar através da língua.

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