terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

MINOR MOOD (1953)


 

Os meus melhores amigos não são escritores, felizmente. Nem sei se me lêem. Facto é que nunca falamos sobre livros. Temos assuntos mais relevantes a tratar. Há dias um deles telefonou, ocupámos o tempo a partilhar maleitas. Às tantas comentei que parecíamos dois velhos na sala de espera duma clínica. Não tanto pelo pingue-pongue de queixas, mas pelo respeito exteriorizado face aos problemas de cada um. Ao longo de 35 anos, pelo menos, raras foram as ocasiões em que concordámos nalguma coisa. Discutimos sempre bastante, ele a partir de uma perspectiva vinculada à astrologia e eu sem perspectiva alguma. Só pelo gozo de manter o lume aceso. E desta feita até ao nos despedirmos concordámos: muito já a gente curtiu, a nós ninguém roubou a puta da juventude. Bebedeiras infindáveis, directas sem fim, lances sexuais e outros clarões que só por acaso ou muita sorte não se tornaram trágicos. O perigo espreitava e a gente ria. Falei-lhe do Clifford Brown, desaparecido deste mundo com apenas 25 anos. Drogas, perguntou de imediato. Não, esclareci, num acidente de viação. Era um dos raros génios do jazz que não bebia nem se drogava. O destino é irónico, quando não é cego.

Sem comentários: