sábado, 6 de fevereiro de 2021

O CAIXÃO DE AÇO DE BRECHT


 

(Entrada do escultor Fritz Cremer com o molde do caixão de aço de Brecht. Dois operários da metalúrgica Hennigsdorf  transportam o caixão)

CREMER    Peço desculpa, os caixões não são propriamente a minha especialidade, sou escultor, e este é o meu primeiro caixão. Esqueci-me de tirar as medidas. É um trabalho de moldagem. Tenho de ver se as medidas estão certas.

WEIGEL    (Olha para os operários dos pés à cabeça, escolhe um.) Você. (O operário não percebe.) Podia, por favor, fazer uma experiência. (O operário não percebe.) Dentro do caixão. Para experimentar. Só para experimentar. Você tem o tamanho dele.

OPERÁRIO 2    Um caixão assim, nunca podias comprar um para ti. 

OPERÁRIO 1    (Mete-se dentro do caixão.) Pois bem, já cá estou. 

OPERÁRIO 2    Agora és uma vedeta.

OPERÁRIO 1    Está-se bem no teu caixão de aço, poeta.
       De que é que te escondes. Tens medo dos versos.
       Não te preocupes. Ao menos não mentem.
       Fazem o trabalho deles como a gente faz o nosso.
       E talvez tivesses amor a mais por ti próprio
       E pelo teu trabalho. Eu cá trabalho por dinheiro.
       O meu prazer é depois do trabalho, cerveja e mulheres.
       Agora trata-se de esquecer o que representavas para eles
       Para cada um deles, poeta. A morte paga a pronto.

       (Sai do caixão.)


Heiner Müller, in Germânia 3. Os espectros do morto-homem., trad. Eduarda Dionísio & Maria Adélia Silva Melo, 1997, pp. 50-51.


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