sexta-feira, 16 de abril de 2021

4 LAURENTINAS & OUTRAS COUSAS

 


Nascido em Inhaminga em 1933. Mestiço de hindustano, celta, judeu e com prováveis avós nos Concheiros de Muge. Parte da infância e adolescência em Santiago de Galapitões, por onde leu muito Hugo, Camilo, Poison do Terrail e S. Cipriano. Herbanário e colector de pedrinhas. Gago mas muito dotado para o fado e para a ociosidade. Funcionou em várias profissões, tais como a pública e a privada, e é actualmente conselheiro para a África Leste do Comptoir d’Hygiène et Beauté, no sector de Shampoos e desfrisodorizantes. Volta nos anos sessenta à África, muito documentado em Edgar Burro — (ughs!). Acha que a realidade é aqui a sopeira da fissão. Sem vícios, com hábitos simples mas não mesquinhos. Também já esteve em Paris.
 
Livros publicados:
- 40 e tal sonetos de amor e circunstância e uma canção desesperada.
- O Morto. Ode didáctica.
- A Arca. Ode didáctica na 1.ª pessoa.
 
Laurentina desagravada
 
termos fígado é termos moral
sermos importantes é bem bom
evitemos as rimas em al
cala-se a voz que turbada,
já de si mesmo etc. … bom!
 
estavam os suicidas todos à janela
a gabarem uma vista significativa
que vinha à cabeça da comitiva
que vinha no meio da comitiva
que vinha na cauda da comitiva
e o ainda mexerem era a única coisa bela
e o ainda mexerem era a única coisa viva
para bem dela.
 
O marido a fingir que não vê
boa perna e papeira flá
cida do souflé do souflé
e do amor dum pequinois.
 
e enganemo-nos a achar glorioso
o passado desfuturado
vamos arranjem um papão a falar grosso
já temos um menino medroso
e um cueiro branco mijado.

 
*
 
Laurentina matinal
 
Bem assentadinho
no trono de louça
estou que nem um lorde!
Digiro e acto contínuo
(que ninguém me ouça)
tracteio ford!
 
De roupão de dragos
escreve-lhe aos rapazes
a mandar coragem.
entre dois caragos
currangindo gases
apoio a mensagem.
 
(quero cá saber
se a prosa é manhosa
se a mim me auxilia!
sim, que eu cá sei ler
para alguma coisa
isto serviria)

 
*
 
Fabulírio 2
Rumor

 
Um berbigão apaixonado
por uma ostra de portimão
fez uma aposta com um limão
e foi juiz a salsa. O alho
ficou de fora enxovalhado
e foi queixar-se ao rodovalho
vá pró… lixar-se! disse este ao alho
vá pró você, seu porcalhão!
 
Eu nada sou mais que um escriba
e não desejo, claro pois,
fazer de queijo entre estes dois.
A dona ostra estava cativa
lá dum percebe que percebia
de engenharia. O atum queria
também queria molhar a sopa
com a garopa… claro pois!
 
E é muito ingrato ser-se cronista
dos baixos fundos. Pausa, grabato,
poupando a vista poupas profundos
aborrecinazos à tua lista.
e, episódico, algum flato!

 
*
 
Ronda dos leques ou terapêutica da ocupação
Laurentina a partir do litoral

 
Para as loiras vou-me de alfa
para o sommershield dos betas
retiro o brazão das malvas
e anteponho duas letras
mariconas marialvas
ao meu silva de pobretas.
 
Para as oxigenadas
fico à carreira de tiro
e visto as cores encarnadas
do meu porsche que é mais giro.
Na polana das coutadas
em spraite dou um giro
que as louras acastanhadas
inda merecem um tiro.
 
Para tranças e cravés
maxaquene é um regalo:
mercedes e capilés
na princesa ou na pigale!
Vestem sedas do chinês
usam mesas pé de galo
lavam, o bastante, os pés
e têm pernas de estalo.
 
Para mulatas monhés
vou de fiate na virgem
até ao alto maé
ver os produtos na origem.
Mais incenso ou mais rapé
mais espinha ou mais impingem
rapazes isto é que é
ir mais perto da origem!
 
Para setins e pelezinhas
com dentes fora do riso
vou de simca rolinha
às portas do paraíso
de xipamanime. A linha
com que coso o meu consiso
paladar, é muito minha
que tem o doutor com isso?
 
Para entrar no outro mundo
de silêncio e aceitação
vou de jip que é fecundo
íman de admiração.
Em palavras gastei tudo
com silêncio é que me quero.
Vou de carrinho ao entrudo
dos silêncios em som estéreo…

 
João Pedro Grabato Dias, in Uma Meditação, 21 Laurentinas e dois fabulírios falhados, introdução de Maria de Lourdes Cortez, edição do autor, capa de António Quadros, Lourenço Marques, 1971.

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