Elias foi um dia à procura de emprego. Era de noite, e com medo que faltasse a luz eléctrica, comprou uma lâmpada a pilhas para acender o caminho. Andou, andou, e nunca mais encontrava um emprego. Tinham-lhe dito, no Serviço Nacional respectivo:
— Você vai sempre a direito e se se engasgar pergunta, que logo lhe dizem.
O primeiro ser humano a quem teve de perguntar, já com a pilha quase gasta, era um homem. Um homem gago e avantajado, dos seus cinquenta e sete anos, que por sorte ia a pé para Fátima. E diz-lhe o homem:
— Venha daí comigo, que eu ensino-lhe o caminho e não lhe levo nada.
Foram andando, andando, e Elias ia já cheio de fome e com vontade de não voltar a sair de casa, quando Às tantas começou a farejar-se um cheirete dos diabos a esterco de porco. Diz-lhe o bom homem:
— Estemos a chegar. Vê você uma luz lá adiante, despois daquele pinhal?^(Elias fez que sim). Pois fica acolá o sítio que você procura, não tem que saber.
E disse-lhe adeus e que fosse com Deus, prosseguindo o caridoso homem mais para a direita, em direcção a Fátima, porque Fátima é sempre prá direita, onde a mulher, entrevada, o aguardava há coisa de uma semana, com o farnel embrulhado, numa tenda de campismo fornecida pela Congregação do Sagrado Espírito Santo e Comercial de Lisboa.
Elias lá se encaminhou então, sozinho e já com as pilhas mais que gastas, em direcção ao emprego. Quando lá chegou, o chefe de serviço, o Sr. Diamantino, acabava de assinar o livro de ponto e subia lentamente as escadas do escritório. Elias assinou também o ponto e, educado como é, foi logo pedir desculpa ao Sr. Chefe de Serviço, visto chegar atrasado cinco minutos, mas a avó dele morrera de repente, sem avisar ninguém, e ele tinha ido tratar do funeral, havendo por essa razão perdido o comboio das sete e meia. O Sr. Diamantino encarou-o com superioridade e condescendência, do alto do bigode meio turco e do avantajado ventre, mas logo lhe apertou a mão, declarando, com o ar mais compungido que lhe foi possível:
— Sentidos pêsames, Elias. Veja se me traz para cima, antes das onze horas, a correspondência da Sotrinco.
Júlio Henriques, in Deus Tem Caspa, Antígona, 2.ª edição , 1993, pp. 95-96.
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