sexta-feira, 10 de junho de 2022

MAGIA E EROTISMO

 


   Não sei se é verdade ou treta para convencer coleccionadores, mas, a ser verdade, este é o exemplar 223, de 500 publicados, daquelas que são as únicas gravações conhecidas de Aleister Crowley (1875-1947), supostamente registadas em 1920, ou seja, dez anos antes do mago inglês ter aterrado em Portugal na companhia da jovem alemã Hannie Jaeger. Ele tinha 54, ela 19. Ele não se importava. A recebê-los, Fernando Pessoa. Começou a corresponder-se com Crowley um ano antes, propondo-lhe correcções no mapa astral.
   No CD podemos ouvir textos diversos, em língua inglesa e na correspondente “enochian version” (língua oculta, alegadamente fornecida por anjos a John Dee e Edward Kelley no século XVI), tais como “The Call of the First Aethyr”, “La Gitana”, “Hymn to The American People” ou “Vive La French Republic” (cantado), entre outros.
   Aleister Crowley era um ocultista que a imprensa se encarregou de promover como A Grande Besta ou O Homem Mais Perverso do Mundo, muito por culpa da sua inclinação para a libertinagem, o sexo mágico, hedonismo, consumo de drogas e boas práticas congéneres. Estudante em Cambridge, foi iniciado numa sociedade secreta cabalística tornando-se poeta, excelente jogador de xadrez e montanhista de sucesso. Abandonou a Inglaterra e viajou pelo mundo, aprendendo yoga e outros ensinamentos orientais que o levaram a desenvolver uma técnica esotérica especial a que deu o nome de Magick. Bissexual assumido, casou-se uma primeira vez com Rose Kelly, que numa viagem pelo Cairo jurou-se possuída pelo deus Hórus. Crowley escreveu então “O Livro da Lei”, bíblia renovada em que o próprio seria o profeta de Hórus. Nascia uma nova religião, a qual deveria impor-se ao cristianismo com um princípio ético mais ou menos redutível a isto: o que quer que o teu desejo te mande fazer será toda a lei.
   Pessoa ter-se-á entusiasmado com as teses de Crowley, mas não só. É conhecido o episódio do misterioso desaparecimento do mago na Boca do Inferno, um falso suicídio, conluiado com o poeta português, repleto de episódios curiosos. Um deles é a pseudo-entrevista, publicada no jornal Girassol, feita por Pessoa a si mesmo a propósito do caso:
 
E você, o que pensa?
Não penso, que é o mais cómodo.

 
Para quem esteja interessado nesta história, sugere-se a leitura de “Encontro Magick seguido de A Boca do Inferno”.
   Mais interessante, para mim, é a impressão causada por Hannie Jaeger no poeta de “Chuva Oblíqua”, a ponto de lhe inspirar, a 10 de Setembro de 1930, um dos mais eróticos, senão o mais, dos poemas que se lhe conhecem. Reproduzo a transcrição partilhada por Carlos Pittella e Jerónimo Pizarro no volume “Como Fernando Pessoa Pode Mudar a Sua Vida”:
 
Dá a surpreza de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
 
Seus seios altos parecem
(Se ella estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
 
E a mão do braço nu branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliencia do flanco
Do seu relevo tapado.
 
Appetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Desejo, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?

 
   Podeis confrontar tais versos com as cartinhas escritas a Ofélia, com quem era tudo viagens à Índia, cachecóis e pombinhos. O respeitinho é muito bonito. E português. À vossa consideração, a assinatura de Aleister Crowley no CD.

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