Não sendo livro que os especialistas cataloguem de
poesia, também o é. Digo-o por julgar que tem tudo para sê-lo, desde logo, e o
mais importante, uma genuína paixão a sustentá-lo. Miguel Martins diz possuir mais de uma centena de livros de Georges Simenon, escritor belga a quem devemos
a criação do Comissário Maigret. «Simenon é, sem dúvida, o autor que mais
li.» Vai daí, dedica-lhe um livrinho intitulado Simenon e Maigret, de Pé e à
Mesa (Edições do Saguão, Agosto de 2021) para nos contar da sua devoção.
Excelentemente informado, em cinco capítulos, três dos quais centrais (o
primeiro é introdutório, o último é bibliográfico), conta-nos resumidamente a
vida de Simenon e desenha com perícia as características de Maigret, sem perder
de vista os aspectos fulcrais da vida humana, como sejam comes, bebes, fumos e
amores (não necessariamente por esta ordem). Simenon é, de facto, uma criatura
humana fascinante. Pobre de nascença, começou a publicar nos jornais ainda
adolescente. As primeiras obras de maior fôlego datam da década de 1930. Contra
todas as expectativas, a personagem de Maigret trouxe-lhe fama e fortuna.
Ganhou tanto dinheiro que, às tantas, abdicou de juros sobre o que tinha depositado
na banca «com o argumento de que o seu dinheiro ganhava mais do que ele.» Deu à
estampa cerca de 600 títulos e não se privou de luxos nem de excessos.
Conta-nos o Miguel Martins:
Dizia ter tido relações sexuais com dez mil mulheres,
oito mil das quais prostitutas; a sua última companheira, porém, acusava-o de,
a este propósito, ser um exagerado, pois, afinal, segundo ela, não teriam sido
mais de sete mil… Em qualquer caso, o que se sabe é que, ao concluir um
romance, tinha por hábito fechar um bordel só para si, como meio de limpar a
cabeça da história terminada, preparando-a para a seguinte — o sexo como tábua
rasa.
Quem nunca?
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