quarta-feira, 17 de agosto de 2022

NÃO TER OUVIDO

 


A primeira vez que ouvi falar de Jon Fosse foi em 2018, quando o Teatro da Rainha levou à cena “O filho”. A fotografia foi registada em casa do Daniel e mostra o cartaz da peça devidamente emoldurado para memória futura. Só posteriormente adquiri alguns livros do escritor norueguês publicados pela Cotovia. “É a Aless” (2008), por exemplo, e “Lilás” (2006), na colecção Livrinhos de Teatro. Esta última mexe comigo, remete-me para as paixões falhadas da adolescência, experiências amorosas frustrantes como tiros ao lado. Amores de Verão, mete-os no caixão. Podia ser provérbio, lacunar e preconceituoso como quase todos os ditos populares. Para ser honesto, o tema mais tramado de “Lilás” nem é o desacerto amoroso, mas antes a única frustração verdadeiramente difícil de engolir que guardo na vida. Há dias partilhei-a com um amigo, pelo que não me importo de torná-la pública. Sempre sonhei ser músico, ter uma banda, andar em digressão, reunir-me amiúde para ensaiar e desentender-me como os putos da peça de Jon Fosse. O texto parece desguarnecido, superficial, vazio, mas toca fundo, com admirável simplicidade, nessas frustrações que estigmatizam a adolescência e nos acompanham para o resto da vida. Pior do que me haver faltado tacto para o amor, coisa que uma pessoa está sempre a tempo de resolver, faltou-me ouvido. E isso não se resolve. Um tipo ou tem ou não tem ouvido. Não há cá estudo nem ensaio que lhe valha. Até pode tornar-se um instrumentista virtuoso, mas em não havendo ouvido é uma vergonha. Pegar numa guitarra e não conseguir afiná-la de ouvido, ora aí têm a maior frustração da minha vida. Diz o Rapaz à Rapariga: «Só toco um bocadinho / pouca coisa / nunca vou ser bom / mesmo bom nunca». Haverá consciência mais difícil de suportar do que esta?

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