O corno, já se sabe, é figura deveras popular na história
do teatro. Não admira, por isso, que Molière (1622-1673), pseudónimo de
Jean-Baptiste Poquelin, seja tão citado no “Quadro Analítico da Corneação”
elaborado por Charles Fourier (1772-1837). Pirandello (1867-1936) também
explorou o tema, porventura influenciado pelo dramaturgo francês tal como se
diz ter este bebido em Plauto (?-184 a.C). Quem é que se defendia, sob acusação
de plágio, garantindo que não plagiava ninguém, apenas se limitava a copiar os
mestres? Maquiavel, já agora, foi outro que se embeiçou por Plauto, mas de
forma declarada e assumida. Voltemos a Molière, autor de “Sganarelle ou le Cocu
imaginaire” (a imagem reproduz o frontispício da edição de 1682). Este
Esganarelo, que o próprio Molière interpretou, é também a personagem central de
“Le mariage force”, traduzido por Jorge de Sena como “Casado à força”. Nesta
peça, que a Cotovia publicou em 1988, o desgraçado Esganarelo recorre a
aconselhamento pré-matrimonial depois de esposar a jovem e bela Dorimena. O
tipo já anda pelos cinquentas e teme vir a ser traído, é o chamado corno por
antecipação. Consulta, sem proveito, um tal de senhor Jerónimo, dois filósofos
mais metidos com o mundo abstracto do que com os problemas concretos e duas ciganas
obviamente oportunistas. Preconceitos comuns à época, entretanto, como é de
todos sabido, completamente sanados. «Faço bem ou mal em casar com ela?»,
pergunta ao filósofo Marfúrio. «É conforme», responde-lhe este com a mesma
ambivalência que aplicava a tudo. Resta saber se Molière somatizava as
matérias da corneação como aparentemente terá somatizado outras durante a sua
existência pendular. Morreu em palco, ao que consta recusando suspender uma
récita apesar dos graves sintomas de doença. Tinha febre, respirava mal, tossia
imenso e mal conseguia movimentar-se. Em cena, a derradeira das suas últimas
peças: “O doente imaginário”.
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