Com o tempo, o epicurismo
tornou-se sinónimo de voluptuosidade. É o que o tempo faz às coisas: mais do
que curar, desvirtua. Longe de mim advogar a ausência de virtude no voluptuoso.
Creio na voluptuosidade toda-poderosa. Sucede que o mestre Epicuro terá sido
bem mais reservado do que se julga. A mãe era curandeira, andava de casa em
casa a conjurar feitiços para curar gente pobre. O rapaz foi educado pelo pai,
que era mestre-escola, e, posteriormente, por um tal de Nausífanes a quem se
referiu nos seguintes termos: «Este indivíduo não cessava de parir pela boca a
jactância sofística, à semelhança de muitos outros escravos». Daqui se conclui
ter Epicuro sido um aluno difícil. Em Atenas cumpriu serviços militares e
fixou-se fundando a sua própria escola, o famigerado jardim que admitia
mulheres e escravos. Está de ver que a má-língua fez o resto. Como podia uma
escola digna admitir mulheres e escravos? Pois que começaram a circular rumores
de orgias na escola que defendia o prazer como o bem supremo. Só que o prazer
para Epicuro tem muito menos que ver com o excesso dionisíaco do que com o amor
filial de Deméter, era o prazer de certa forma de exílio, fenómeno muito
antigo, da malta que se retira da vida cívica para se dedicar a coisas inúteis
como a filosofia e a poesia. Portanto, o prazer exaltado à entrada do jardim
tem pouco que ver com excessos hedonistas. O que é curioso, até paradoxal, é a
constatação de que os epicuristas acabaram por ser vítimas da maior dor de que
fugiam, isto é, as falsas opiniões. Entre os detractores, o estóico Diotimo.
Diz que difundiu 50 cartas licenciosas atribuindo-as a Epicuro. Posidónio,
outro estóico, encarregou-se de lhe caluniar a família, chamando bruxa à mãe de
Epicuro e acusando um dos seus irmãos de proxenetismo. Epicteto chamou-lhe
obsceno e Timócrates dizia que Epicuro vomitava duas vezes por dia por causa
dos excessos. Devemos a Diógenes Laércio a defesa de Epicuro: «A sua excessiva
rectidão levou-o mesmo a privar-se de todo o contacto com a vida pública», levando
uma vida simples e frugal. Os caluniadores teriam sido «completamente loucos».
Entre as suas “Máximas Capitais”, gosto particularmente desta: «Não é possível
viver com prazer sem viver de forma prudente, nobre e justa, nem viver de forma
prudente, nobre e justa sem viver com prazer. Quem não dispõe dos meios de
viver de forma prudente, nobre e justa, não pode viver com prazer». O que tem
esta máxima de absolutamente revolucionário? Pois, isso mesmo, aquela
necessidade de “dispor dos meios”. Como não haviam de denegrir alguém que,
aceitando escravos e mulheres na sua escola, lhes dizia que era preciso dispor
dos meios para viver de forma prudente, nobre e justa?
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