segunda-feira, 17 de outubro de 2022

UM POEMA DE FRANCISCA CAMELO

 


a certeza da dúvida
come-nos por dentro
como o odor a fruta fermentada
se pousada muito tempo ao sol
ousada escuto
quanto demora o teu copo
a encher
e espero pela maré cheia
chego a casa
e a melhor parte de mim
ficou no pé direito
do teu t0 branco
do lado da porta
onde costumamos fumar.
imagino o que farás
quando sair
se sair
e entretanto 
já aí não estou
e pergunto-me
quantas voltas
deu o teu relógio,
sem alarmes
ou sinais de fogo
em redor do meu corpo,
nesse hábito de sujar a louça
para nunca chegar a comer:
perdoa
se a domesticidade
do corpo
não me roeu os calcanhares:
sabes que a fruta
na mesa
já golpeada
ainda
espera.

Francisca Camelo, in Quem me Comeu a Carne, Nova Mymosa, Setembro de 2022, pp- 12-13.

Sem comentários: