terça-feira, 11 de outubro de 2022

NADA DE GRAVE

No princípio era o “do mal, o menos”. Marcelo não poderia ser pior do que Cavaco, o que nos obriga a pensar em hipóteses absolutamente terríveis, tais como Cavaco não seria pior do que Bolsonaro ou Putin. Andamos sempre nisto, nós, os portugueses, povinho conformado com o que tem, remediado, catolicamente consolado com a pobreza de espírito que nos há-de guardar lugar num céu distante. Temos carradas de expressões para mitigar a dor. Vai-se indo, respondemos a quem nos cumprimenta. Ou tristezas não pagam dívidas, é a vida, o que é que se há-de fazer? Este conformismo pobrezinho, mas honesto, perdura sem maneira de ser desfeito. Somos católicos, peregrinamos a Fátima, veneramos a caridade da Igreja, abençoamos a Jonet mais o seu banco alimentar, não dizemos não a uma esmola. Vale mais do que nada, outra expressão tão comum na boca dos portugueses como dentes podres. Depois ajoelhamo-nos a Marcelos e Laurindas, tiramos selfies todos contentes, abraçamo-nos uns aos outros em comunhão solidária. Ah, a solidariedade portuguesa, é o que faz de nós melhores entre os melhores. E sabemos receber, ingleses no All Garve e nepaleses em Odemira, sempre com aquela capacidade tão nossa de darmos o que não temos. Era tão boa pessoa, amigo do seu amigo. Não se admirem, portanto, com as marchas de vulneráveis nem se espantem, ora essa, com as patacoadas de Marcelo. Não fomos o país que, em plena pandemia, juntou Presidente da República, Primeiro-ministro, mais Presidente da Federação Portuguesa de Futebol no anúncio de uma final dos campeões à porta fechada? E não demos maioria absoluta ao primeiro-ministro que, benza-o Deus, ofereceu o evento a todos os profissionais de saúde pelo esforço hercúleo que vinham acumulando em horas extraordinárias? Ó meus amigos, temos o que nos é devido. Marcelo foi sempre um político medíocre. Alguma prova em contrário? Anos de comentário televisivo ofereceram-lhe a publicidade de que necessitava para chegar onde está. As televisões têm este dom, tornam populares indivíduos de parcos argumentos, transformam palermas em génios, elevam oportunistas a missionários. Marinho e Pinto, lembram-se? Valentim Loureiro? Ventura? And so on. Marcelo, amigo de Ricardo Salgado, o dono disto tudo, sempre teve tudo a seu favor para chegar onde está. Agora aguentem-no mais aos discursos exemplares no 25 de Abril e aos lugares comuns no dia de Portugal e aos disparatados directos com Cristina Ferreira e às presenças tolas nos lugares da tragédia e aos telefonemas ao Ornelas mais os escassos 400 casos de crianças abusadas por padres. Marcelo, ele próprio padre na paróquia dos pataracas, é o homem certo no lugar certo, a comandar a venerável república das Laurindas que julgam estar ao serviço do bem celebrando marchas e piqueniques para os mais vulneráveis no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Estas pessoas não pensam assim por serem más pessoas, estamos certos de que dentro delas palpita um coração ao ritmo cardíaco das boas intenções. Estas pessoas pensam assim simplesmente porque são medíocres, tão medíocres quanto os media que lhes dão palco tornando-os veneráveis e admiráveis e elegíveis. Levam-nos a crer que seria preferível plagiarem, desde que plagiassem os bons. É duvidoso que o fizessem, mas sempre temos essa esperança. A originalidade com que nos brindam ofende-nos a inteligência, pelo que mais facilmente lhes perdoaríamos uma cópia digna a uma originalidade indecorosa. Dizia Kraus que «Hoje em dia, o original é quem foi o primeiro a roubar.», acrescentando que «Um plagiador deveria ser obrigado a recopiar o autor cem vezes.» Eu cá contentar-me-ia com uma Laurinda ao relento da noite no Parque Eduardo VII e um Marcelo de cócoras na obscuridade de uma sacristia. Afinal, seriam apenas mais duas vítimas. Nada de grave.

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