“Bitches
Brew”: Miles Davis
Dizem ser o álbum mais marcante da fase
eléctrica, mas com Miles Davis nunca se sabe. A trompete anda por ali a planar sobre
a paisagem traçada pelo piano eléctrico de Joe Zawinul, aparecendo e sumindo-se
como uma ave esquiva. Quando se mostra, exibe todas as suas tonalidades. Também
o guitarrista John McLaughlin, que nesses idos de 69/70 se estreara em disco
como líder de uma banda, vai dando conta da sua presença numa economia de improvisos
que os críticos associam geralmente ao rock, mas a mim faz mais lembrar um
certo minimalismo experimental e repetitivo com escola pelos anos de 1960.
Enfim, não vou meter-me onde não sou chamado, até porque o que verdadeiramente me
agarra neste disco é a sua resistência aos formatos convencionais e às normas
na base de conceptualizações nada sedutoras. O tema que ofereceu título ao
conjunto, por exemplo, até pelo desafio que nos coloca do ponto de vista do
sentido — bitches são putas, brew pode ser uma poção feita por feiticeiros —
remete para uma irónica imagem de feitiços associados à sedução erótica.
Qualquer coisa como o feitiço das putas, algo que vai bem com a magia desta
música num clima de degenerescência do jazz em que o sucesso comercial impunha
os seus pré-fabricados pop. Eu senti-me amarrado à primeira audição, e de
quando em vez lá regresso ao lupanar para voltar a provar a poção mágica destas
meretrizes.

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