sexta-feira, 29 de agosto de 2025

DISSE HAROLD PINTER

    Uma peça não é um ensaio, nem deve um dramaturgo sob qualquer exortação prejudicar a consistência das suas personagens injectando um remédio ou uma justificação pelas suas acções no último acto, simplesmente porque fomos ensinados a esperar, faça chuva ou faça sol, pela «resolução» do último acto. Fornecer uma etiqueta moral explícita a uma imagem dramática em inevitável evolução parece-me ser fácil, impertinente e desonesto. Quando isto acontece, não existe teatro mas palavras cruzadas. O público segura no papel. A peça preenche os espaços em branco. Toda a gente fica contente. // (...) Se tivesse de afirmar um preceito moral, seria qualquer coisa como: cuidado com o escritor que expõe a sua causa para que a abracem, que não vos deixa dúvidas sobre o seu valor, a sua utilidade, o seu altruísmo, que declara que o seu coração está no sítio certo e se assegura de que pode ser clara e totalmente visto, uma massa pulsante no sítio onde deviam estar as suas personagens. O que é apresentado, a maior parte das vezes, enquanto corpo de pensamento activo e positivo é de facto um corpo perdido numa prisão de definição vazia e lugar-comum.

Harold Pinter, in Várias Vozes, trad. Francisco Frazão, Quasi Edições, Maio de 2006, pp. 27-28.

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