Reféns do passado, dos atrasos, dos sonhos adiados.
Reféns da casa onde vivemos,
a de agora e a de outro tempo.
Reféns do corpo, do dinheiro, do trabalho.
Reféns da falta de tempo e do tempo malgasto.
Reféns do tempo e do mau tempo.
Reféns do tempo em que.
Reféns uns dos outros.
Reféns da moda, da comida, da TV,
das revistas, dos telefones
e dos computadores, das decisões, das paixões,
do medo e do modo de agir que nos leva a não agir de todo.
Reféns do escuro e do seu oposto.
Reféns do orgulho, da crise, do governo,
das prioridades dos meios-termos.
Reféns dos termos, se os houver, certos ou incertos.
Reféns de pensar, de sentir, de dar e de tirar.
Reféns do desabafo, de pedir emprestado.
Reféns do passado.
Reféns da fé e do pecado.
Reféns da bondade.
Reféns da maldade.
Reféns às vezes por acaso,
mas quase sempre por vontade.
Gisela Casimiro (Guiné-Bissau, 1984), in Erosão, Urutau,
2002, pp. 24-25. Escritora, artista, tradutora, performer e activista, estudou
Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa. Fez parte da associação anti-racista e feminista
INMUNE – Instituto da Mulher Negra em Portugal, criada por Joacine Katar
Moreira, e é membro da UNA – União Negra das Artes. Publicou dois livros de
poesia pela Urutau: “Erosão” (2018) e “Giz” (2023). Um poema seu afixado na rua
foi alvo de um processo judicial por chamar a atenção para o racismo nas forças
policiais. O caso acabou arquivado. Em 2023, reuniu crónicas e textos de
não-ficção no volume “Estendais” (Editorial Caminho). É autora do texto e
dramaturgia de “Casa com Árvores Dentro” (Co-produção da Companhia de Actores,
Centro de Artes de Ovar e RTP2, 2022), peça encenada por Cláudia Semedo, e foi
uma das autoras participantes na décima sétima edição do projecto PANOS –
palcos novos palavras novas, do teatro Nacional D. Maria II, com a peça “Vida:
Uma aplicação”. Trabalhou ainda com Ana Borralho e João Galante, mala voadora,
Sónia Baptista e Romeo Castellucci. Expões as suas obras n’O Armário, Balcony,
ZDB – Zé dos Bois, Galerias Municipais do Porto e de Lisboa, Galeria Municipal
de Almada, MACE – Museu de Arte Contemporânea de Elvas, Reocupa, Appleton e
Museu Afro-Brasil Emanoel Araújo. Participou em várias antologias nacionais e
internacionais, estando alguns dos seus textos traduzidos para turco, mandarim,
alemão, espanhol e inglês. Traduziu para português o livro “Irmã Marginal”, de
Audre Lorde (1934-1992), escritora, filósofa, poeta e activista
norte-americana.
Reféns da casa onde vivemos,
a de agora e a de outro tempo.
Reféns do corpo, do dinheiro, do trabalho.
Reféns da falta de tempo e do tempo malgasto.
Reféns do tempo e do mau tempo.
Reféns do tempo em que.
Reféns uns dos outros.
Reféns da moda, da comida, da TV,
das revistas, dos telefones
e dos computadores, das decisões, das paixões,
do medo e do modo de agir que nos leva a não agir de todo.
Reféns do escuro e do seu oposto.
Reféns do orgulho, da crise, do governo,
das prioridades dos meios-termos.
Reféns dos termos, se os houver, certos ou incertos.
Reféns de pensar, de sentir, de dar e de tirar.
Reféns do desabafo, de pedir emprestado.
Reféns do passado.
Reféns da fé e do pecado.
Reféns da bondade.
Reféns da maldade.
Reféns às vezes por acaso,
mas quase sempre por vontade.

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