segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

& etc - UMA EDITORA NO SUBTERRÂNEO


Tendo por embrião um suplemento literário, primeiro, e uma folha cultural, depois, a editora & etc surgiu em 1974 com a edição de Coisas, reunião de textos e ilustrações de gente tão distinta como Baptista-Bastos e Pedro Oom, Nelson de Matos e Paulo da Costa Domingos. Desde então, afirmou-se como uma das mais invulgares editoras portuguesas. Podemos afirmar que de algum modo & etc transformou-se num conceito, alicerce estético, infelizmente nem sempre ético, de outras editoras que lhe procuram respeitar a marca com maior ou menor consistência. Nesse conceito cabe, desde logo, uma atenção especial ao corpo gráfico dos livros. O formato quadrado (falso) é hoje uma imagem de marca, mas também as capas em colaboração com artistas plásticos vários (predominam desenho e colagem, a fotografia está praticamente ausente). Outro aspecto a assinalar consiste num catálogo com especial inclinação para uma literatura insubordinada, onde cabem modernistas e futuristas, surrealistas dissidentes, textos iconoclastas e picarescos, poesia. Neste domínio, & etc impõe-se pelo sincretismo evidente, o que faz desta uma casa heteróclita cujo culto foi sendo alimentado tanto por autores como por leitores (não se distinguindo, tantas vezes, uns dos outros). Por detrás do conceito, a admirável persistência e obstinação de um editor chamado Vítor Silva Tavares, que entende «o livro como parte integrante da acção poética e não como mercadoria descartável» (p. 11). Entramos aqui nesse território complexo onde a estética encontra a ética, sendo sobejamente sublinhados, mais do que posturas anti-académicas ou contraculturais, uma atitude resistente à mercantilização do livro, entendido não apenas como artigo comercializável (que o é) mas também e mormente enquanto objecto artístico (que raramente chega a ser). De facto, cada livro da & etc, independentemente até dos textos que encerra, é sempre um objecto artístico em si, de tiragem única (uma excepção confirma a regra) e IRREVOGÁVEL. Merecem, pois, por todas e mais algumas razões, ser celebrados estes quarenta anos de resistência, uma resistência à vulgarização que o lucro apressado promove, uma resistência à domesticação da vontade que actua livremente num mundo de condenações perpétuas pré-natais, uma resistência verdadeiramente política, no sentido em que se exerce não à margem da sociedade, nem como por vezes afirma o editor em paralelo com o meio, mas dentro dessa mesma sociedade como uma erupção capaz de abalar os pilares hipócritas do regime. Um livro apreendido em plena democracia (plena de penas) é disso exemplo. O mesmo não sucederá, para bem dos leitores, com este & etc – Uma Editora no Subterrâneo (Letra Livre, Novembro de 2013), coordenado e concebido pelo poeta e editor da Frenesi Paulo da Costa Domingos, autor da casa desde a primeira hora. É bom que se chame a atenção para o facto de não ser este livro um mero exercício comemorativo, tratando-se de um dos mais importantes livros publicados este ano em Portugal. Reproduções e testemunhos vários, entre os quais sublinho os de Emanuel Cameira, Júlio Henriques, Pedro Piedade Marques e Rocha de Sousa, ajudam a caracterizar e a compreender (ao mesmo tempo que o aprofundam) este exemplo editorial, que não estando só no mundo nem sendo exclusivo na história portuguesa, é sem dúvida alguma de uma coerência rara. Isto é de uma relevância extrema numa época onde editores com trabalhos estimáveis se vêem obrigados a conviver com regras de mercado que atiram para a penumbra livros essenciais, oferecendo uma luz desmesurada e mesmo incandescente a lixo produzido com a acuidade da fast food. Constatá-lo, ao contrário do que possa parecer, não “elitiza” a excepção ou, usando nomenclatura mais em voga, a alternativa. Os tempos que correm facilitam o risco, o feiticeiro transforma-se no feitiço, a excepção vê-se apreendida pela norma, a própria lei subverte o crime. Tivemos este ano o triste exemplo do “fenómeno Herberto”, dispensa-se um “fenómeno & etc”. O que aqui está em causa é algo diverso, tem que ver com a possibilidade da vida livre, sendo certo que livres ou não estaremos sempre todos dependentes uns dos outros para que a obra aconteça e a poesia se faça. 

3 comentários:

Marina Tadeu disse...

O quê? Um livro apreendido? Fui a pesquisas que deram em nada. É Plena de Penas galinha que choque? Como é possível? De que tratava e de quem era o livro?

hmbf disse...

Este: http://aventar.eu/2012/05/23/hoje-da-na-net-o-bispo-de-beja-de-homem-pessoa/

Marina Tadeu disse...

Obrigada Henrique por generoso esclarecimento. Para quem se atreveu, sou toda orificium ani na esperança de que contra a censura, se erga um valente punho. A vós arrojados, uma Fescénia. Nem vale a pena moralizar com processos Casa Pia. Portugal é um filme de terror e coragem mesma é ficar por aí. Força!