Aparentemente, José Rodrigues dos Santos nada tem que ver
com a doutrina marxista. Aparentemente, porque se olharmos para uma factura da EDP o caso muda de figura. A
contribuição audiovisual que somos obrigados a pagar, e que tem por fim
financiar o serviço público de radiodifusão e televisão, faz de José Rodrigues
dos Santos uma espécie de assalariado de todos os portugueses. Este facto
permite-nos estabelecer toda uma rede problemática de implicações. Rodrigues
dos Santos salientou-se junto do grande público em Janeiro de 1991, aquando das
maratonas televisivas que cobriam a chamada Guerra do Golfo. Foram dez horas em
directo que o transformaram numa estrela de encher chouriços. Os romances
começaram a aparecer alguns anos depois, almejando vendas sem comparação na
realidade lusa. Diz quem leu que prossegue nos romances a arte de encher chouriços
treinada enquanto pivot. Chamar-lhe pivot é apenas um sinal do processo
transformador que o coloca ao nível de uma mercadoria. Marx dizia que «uma
mercadoria parece à primeira vista uma coisa evidente, trivial». José Rodrigues
dos Santos é isso mesmo, mas com uma diferença substancial: é uma mercadoria
que sabe falar. Tal faculdade implica uma anomalia na cadeia produtiva. Vamos a
casos recentes que demonstram a falha. Quando devia limitar-se a apresentar/moderar
o talk show opinativo de José Sócrates, pôs-se a fazer uma entrevista colocando-se
no lugar de interlocutor. Não lhe cabia o serviço, mas não veio mal ao mundo pela
postura. Afinal, era Sócrates quem estava do outro lado. A mesma anodinia não
podemos considerar nas reportagens que enviou da Grécia. Só faltou dizer que os
gregos eram piores que Sócrates. Estas manias para a classificação, para a
rotulagem e para a consideração pessoal estão patentes nos seus serviços. Ninguém
nega que seja um rapaz trabalhador, mas o fruto do seu trabalho não é aquele
que esperaríamos dele. Pelo menos, não é aquele que pagamos com a tal contribuição
audiovisual obrigatória. Ou seja, jornalismo. Há muito que o fruto do trabalho
de José Rodrigues dos Santos deixou de ser o jornalismo para passar a ser, et
voilà, encher chouriços com piadas, apontamentos, opiniões cujo efeito é apenas
saldado na venda dos seus livros. Portanto, na televisão pública portuguesa ele
ocupa aquele lugar da mercadoria sobre a qual recai o fetichismo dos consumidores.
Se o fruto do trabalho de um jornalista devia ser o jornalismo, neste caso esse
fruto foi substituído pelo valor abstracto das audiências. Como a sociedade
capitalista se alimenta de abstracções obscuras, mãos invisíveis, dinheiro fictício,
etc., José Rodrigues dos Santos é a mercadoria que, e passo a citar, “reflecte
para os homens os caracteres sociais do próprio trabalho deles enquanto
caracteres objectivos dos próprios produtos do trabalho”. Etc. A piadola que
produziu recentemente sobre Alexandre Quintanilha, e sobre a qual, ao que
parece, já veio desculpar-se, surge enquanto pré-lançamento do seu futuro
sucesso literário. A piada em si não é tão má quanto é mau o serviço público de
televisão continuar a suportar-se destas mercadorias, mostrando-se assim, também
ele, dependente do fetichismo dos telespectadores que aderem em massa aos
chouriços do jornalista escritor. Marx afirmava igualmente que o valor não traz
escrito na testa aquilo que ele é, verdade que não se aplica a José Rodrigues
dos Santos. Ele tem escrito na testa que é burgesso (uso a terminologia de José
Gil em Portugal, Hoje por se manter tão actual tantos anos depois), estando a
sua graçola acerca da homossexualidade de Quintanilha em sintonia com o
pensamento burgesso de muitos dos seus fetichistas. A grande ilusão do sistema
que sustém burgessos em lugares determinantes do serviço público noticioso é
que devia preocupar-nos, da mesma maneira e com a mesma intensidade que nos
preocupa a falta de exigência dos cidadãos num mundo que a única coisa que
espera deles é que comam o que lhes é dado comer e que calem. Ou se não calarem,
que agradeçam. Porque, educa o sistema, é melhor comer merda do que não ter
merda alguma para comer.
3 comentários:
:)
Abç
Viva Portugal. É saúde.
Viva!..
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