sábado, 10 de outubro de 2015

JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS À LUZ DO MARXISMO

Aparentemente, José Rodrigues dos Santos nada tem que ver com a doutrina marxista. Aparentemente, porque se olharmos para uma factura da EDP o caso muda de figura. A contribuição audiovisual que somos obrigados a pagar, e que tem por fim financiar o serviço público de radiodifusão e televisão, faz de José Rodrigues dos Santos uma espécie de assalariado de todos os portugueses. Este facto permite-nos estabelecer toda uma rede problemática de implicações. Rodrigues dos Santos salientou-se junto do grande público em Janeiro de 1991, aquando das maratonas televisivas que cobriam a chamada Guerra do Golfo. Foram dez horas em directo que o transformaram numa estrela de encher chouriços. Os romances começaram a aparecer alguns anos depois, almejando vendas sem comparação na realidade lusa. Diz quem leu que prossegue nos romances a arte de encher chouriços treinada enquanto pivot. Chamar-lhe pivot é apenas um sinal do processo transformador que o coloca ao nível de uma mercadoria. Marx dizia que «uma mercadoria parece à primeira vista uma coisa evidente, trivial». José Rodrigues dos Santos é isso mesmo, mas com uma diferença substancial: é uma mercadoria que sabe falar. Tal faculdade implica uma anomalia na cadeia produtiva. Vamos a casos recentes que demonstram a falha. Quando devia limitar-se a apresentar/moderar o talk show opinativo de José Sócrates, pôs-se a fazer uma entrevista colocando-se no lugar de interlocutor. Não lhe cabia o serviço, mas não veio mal ao mundo pela postura. Afinal, era Sócrates quem estava do outro lado. A mesma anodinia não podemos considerar nas reportagens que enviou da Grécia. Só faltou dizer que os gregos eram piores que Sócrates. Estas manias para a classificação, para a rotulagem e para a consideração pessoal estão patentes nos seus serviços. Ninguém nega que seja um rapaz trabalhador, mas o fruto do seu trabalho não é aquele que esperaríamos dele. Pelo menos, não é aquele que pagamos com a tal contribuição audiovisual obrigatória. Ou seja, jornalismo. Há muito que o fruto do trabalho de José Rodrigues dos Santos deixou de ser o jornalismo para passar a ser, et voilà, encher chouriços com piadas, apontamentos, opiniões cujo efeito é apenas saldado na venda dos seus livros. Portanto, na televisão pública portuguesa ele ocupa aquele lugar da mercadoria sobre a qual recai o fetichismo dos consumidores. Se o fruto do trabalho de um jornalista devia ser o jornalismo, neste caso esse fruto foi substituído pelo valor abstracto das audiências. Como a sociedade capitalista se alimenta de abstracções obscuras, mãos invisíveis, dinheiro fictício, etc., José Rodrigues dos Santos é a mercadoria que, e passo a citar, “reflecte para os homens os caracteres sociais do próprio trabalho deles enquanto caracteres objectivos dos próprios produtos do trabalho”. Etc. A piadola que produziu recentemente sobre Alexandre Quintanilha, e sobre a qual, ao que parece, já veio desculpar-se, surge enquanto pré-lançamento do seu futuro sucesso literário. A piada em si não é tão má quanto é mau o serviço público de televisão continuar a suportar-se destas mercadorias, mostrando-se assim, também ele, dependente do fetichismo dos telespectadores que aderem em massa aos chouriços do jornalista escritor. Marx afirmava igualmente que o valor não traz escrito na testa aquilo que ele é, verdade que não se aplica a José Rodrigues dos Santos. Ele tem escrito na testa que é burgesso (uso a terminologia de José Gil em Portugal, Hoje por se manter tão actual tantos anos depois), estando a sua graçola acerca da homossexualidade de Quintanilha em sintonia com o pensamento burgesso de muitos dos seus fetichistas. A grande ilusão do sistema que sustém burgessos em lugares determinantes do serviço público noticioso é que devia preocupar-nos, da mesma maneira e com a mesma intensidade que nos preocupa a falta de exigência dos cidadãos num mundo que a única coisa que espera deles é que comam o que lhes é dado comer e que calem. Ou se não calarem, que agradeçam. Porque, educa o sistema, é melhor comer merda do que não ter merda alguma para comer.