domingo, 15 de novembro de 2015

MUNDO DO CRIME, CRIMINOSO MUNDO

As pessoas que acusam a Europa de não se comover tanto com os atentados fora da Europa como se comove com os atentados na sua própria casa partem de princípios estranhos à natureza humana. O grau de comoção é proporcional à proximidade. É Natural que um português se sinta mais próximo de Paris do que de Nairobi, assim como muitos de nós se sentirão mais próximos de Maputo, por razões históricas óbvias, do que de Oslo. Eu sinto mais a morte de um familiar do que de um estranho. Por mais que o exijamos, a política também não escapa a esta lógica que separa os nossos dos outros. Condenável é quando ensaiamos um julgamento dos outros a partir de premissas absurdas. Por exemplo, as pessoas que aquando dos atentados ao Charlie Hebdo diziam que aqueles humoristas estavam a pedi-las e as que agora questionam, cinicamente, a previsibilidade dos atentados em Paris. Estavam à espera de quê? — perguntam, aludindo ao acolhimento de refugiados como uma via aberta para a entrada de terroristas na Europa. A premissa está errada, desde logo, porque mesmo reconhecendo que entre os refugiados existam terroristas infiltrados, isso não justifica que condenemos à morte milhares de vidas que fogem, justamente, do terror que nós voltámos a sentir agora. Fogem em cenários que nos são, felizmente, inimagináveis. 
Quem tenha estômago para ver o “marketing da selvajaria” propagado pelo ISIS (corpos esventrados, cabeças espalhadas pelas ruas das cidades, massacres organizados sob a forma de ritual, pessoas arremessadas de edifícios altos, cabeças espetadas nas pontas de lanças…), pode ficar com uma ideia, uma mera ideia, do Inferno que os refugiados conseguiram deixar para trás. Os poucos que conseguiram, já que, na realidade, são muito poucos se os compararmos com os milhões que não conseguem fugir e têm de se sujeitar àquela barbaridade. Da mesma forma, quem associa o ISIS ao islamismo pretendendo lançar sobre o Islão toda uma campanha difamatória omite o óbvio: isto pouco tem que ver com religião. Sendo eu ateu, preferindo o pensamento à oração, julgo que num mundo sem Deus não estaríamos livres de nos acontecer algo semelhante. Porquê? Porque a questão religiosa, neste caso, serve apenas para recrutamento, é o argumento falacioso do paraíso na eternidade junto de quem se sente injustiçado na terra, é o argumento de uma putativa causa que vai ao encontro da raiva sentida pelos humilhados e pelos ofendidos. É um argumento que facilmente seria substituído pelo desejo de fama e poder que aliciou tantos dos maiores criminosos no mundo secularizado. 
Estamos, em boa verdade, a falar de um tenebroso mundo do crime com vista ao controlo e tráfico de oleodutos e gasodutos. O perfil de Abu Musab al-Zarqawi, fundador do que hoje conhecemos como Estado Islâmico, é o de um brutamontes, arruaceiro, que bebia muito, tinha o corpo coberto de tatuagens, que se dedicava a traficar droga e a roubar lojas (tudo práticas proibidas pelo Islão). É a história típica do criminoso em ascensão que vislumbra na jihad uma oportunidade para formar um exército a seu serviço. Quando ouço dizer, e ouço-o, que estes tipos que tanto mal nos querem foram por nós alimentados no passado (e no presente) não posso deixar de concordar, embora com reservas sobre o tipo de alimentação em causa. É que os próprios reconhecem que a invasão do Iraque foi uma dádiva para o crescimento do movimento: «Abu Musab al-Suri, um dos estrategas mais proeminentes da jihad, alegava que a guerra no Iraque salvara, quase sozinha, o movimento». Alimentou o ódio e o fundamentalismo contra o ocidente, ao mesmo tempo que os países ocidentais se entretinham com baralhos de cartas onde estampavam o rosto dos seus supostos inimigos e continuavam a vender armas e a estabelecer protocolos e a fazer negócio e a apertar a mão a nações patrocinadoras do Daesh ou Daash ou EI ou ISI ou ISIS. 
Portanto, em vez de perdermos tempo com questões que pouco ou nada servirão para travar este problema talvez fosse mais útil, enquanto cidadãos europeus, exigir aos nossos governos que parem de alimentar o monstro. Como? Perguntem a quem vende armas e a quem compra petróleo.  

4 comentários:

A VIDA NUMA GOA disse...

Texto muito bom. O que acontece aqui no Brasil, pasme, tem algo de mais perverso :: muitas pessoas se sensibilizam mais com o que acontece na Europa do que com o que acontece na sua cidade ou no estado vizinho.... Sei lá, tem mais glamour talvez...

rff disse...

E perguntem a quem invadiu o iraque a pretexto duma falácia do tamanho da estupidez do Bush a quem durão barroso fez de porteiro e empregado de mesa com todo o respeito pelos empregados de mesa e porteiros deste país. A História não se apaga...
Abç

MJLF disse...

Subscrevo. Saúde e bjs para toda a tribo

hmbf disse...

A vida numa goa, força aí.

RFF, pois não. Mas os cães ladram à passagem da caravana. Os criminosos andam à solta.

MJLF, abraço e saúde.